Título: Quem perde e ganha no jogo do clima?
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Fonte: Valor Econômico, 01/10/2007, Intenacional, p. A15

Em qualquer encontro de cúpula sobre mudanças climáticas, não demora muito tempo para que algum político declare o quanto é "urgente" ou "vital" ou "imperativo" impedir o superaquecimento do planeta. Apesar disso, poucos estão dispostos a atacar, eles próprios, o problema. Na prática, o que eles em geral querem dizer é que é urgente e vital que todos os países, exceto o deles, enfrentem as mudanças climáticas.

Isso é natural. Afinal, todos os países desfrutarão os benefícios de um clima estável, tenham eles contribuído ou não para produzir o cenário desejado. Assim, um governo capaz de persuadir outros a reduzir suas emissões de gases-estufa sem fazê-lo ele próprio obtém o melhor de dois mundos: esquiva-se de incorrer em todos os custos envolvidos, mas consegue escapar à catástrofe. Os "caronas" mais evidentes nessa categoria são EUA e Austrália - os únicos países ricos que se recusam a limitar suas emissões. Mas eles estão longe de ser os únicos transgressores: a maioria dos países pobres também se empenha em jogar a responsabilidade nos ombros dos ricos.

O problema é que, se todos estão contando que os outros ajam, ninguém o fará. E as conseqüências poderão ser muito piores do que se todos fizessem sua parte. Estudiosos da teoria dos jogos têm um nome para uma versão simplificada desse cenário: "dilema do prisioneiro". Dois acusados de um mesmo crime estão em celas separadas, sem comunicação. Os guardas tentam convencer cada um a acusar o outro. Se nenhum deles fizer isso, ambos receberão sentença de um ano. Se um deles aceitar a proposta e o outro mantiver-se calado, então o "dedo-duro" será libertado, ao passo que o "trouxa" será condenado a dez anos. E se os dois denunciarem-se, ambos serão sentenciados a cinco anos.

Se o primeiro prisioneiro está planejando ficar calado, o segundo terá razões para denunciá-lo e sair livre, em vez de passar um ano na prisão. Se o primeiro prisioneiro planejar trair o segundo, então o segundo ainda se sairia melhor entregando o primeiro, e assim seria condenado a cinco anos, em vez de cumprir dez anos. Em outras palavras, uma pessoa racional e interessada em seu bem-estar deveria sempre trair seu "colega". Mas essa atitude fará com que os dois mofem na prisão por cinco anos, quando poderiam penar apenas um ano se ficassem calados.

Pessimistas assumem que a atitude internacional diante das mudanças climáticas se encaixam no modelo do dilema do prisioneiro. Líderes racionais sempre negligenciarão o problema, presumindo que outros o solucionarão, fazendo de seu país um carona bem-sucedido, ou deixarão a coisa toda degringolar, tornando a causa perdida. Assim, o mundo está condenado a lenta fritura, apesar da possibilidade de evitar o aquecimento mundial se todos cooperassem.

Mas, numa análise de Michael Liebreich, da empresa de pesquisas New Energy Finance, a teoria dos jogos pode levar a uma conclusão oposta. A dinâmica do dilema do prisioneiro, diz ele, muda se os participantes souberem que irão jogar mais de uma vez. Nesse caso, terão motivação para cooperar, com o objetivo de evitar ser punidos em rodadas subseqüentes.

O estudo cita uma análise sobre o tema empreendida por um acadêmico americano, Robert Axelrod, que argumenta que a estratégia mais bem-sucedida, quando o jogo é repetido, contém três elementos: primeiro, os jogadores devem iniciar cooperando; segundo, devem dissuadir traições punindo o transgressor na rodada seguinte; e, terceiro, não devem guardar ressentimentos e começar a cooperar com jogadores traiçoeiros depois de aplicar a punição apropriada. O resultado dessa estratégia pode ser cooperação sustentada.

Liebreich acredita que tudo isso traz lições para os negociadores envolvidos com os problemas do clima, num momento em que a ONU tenta que seus membros negociem um sucessor para o Protocolo de Kyoto, que vale só até 2012. Muitos temem que o esforço sofrerá um colapso, a menos que os retardatários possam ser persuadidos a aderir. Mas o documento argumenta que os países racionais não serão dissuadidos pelos "caronas". Os racionais continuarão a conter suas emissões, enquanto concebem sanções para os que não o fizerem.

O Protocolo de Kyoto já incorpora alguns desses elementos. Países que não cumprirem seus compromissos, por exemplo, deverão ser punidos com exigências de redução ainda maior de suas emissões na rodada seguinte. Mas Liebreich argumenta que, em vez de tentar formular um acordo agradável a todos, os países mais entusiastas deveriam simplesmente seguir em frente com a formulação de um sistema capaz de receber a adesão futura dos recalcitrantes.

Para ele, o regime mundial sobre mudanças climáticas deveria também ser revisto mais freqüentemente, para permitir que o jogo avance mais rapidamente. Assim, em vez de estipular grandes cortes de emissões num prazo de cinco anos, os negociadores poderiam considerar a adoção de metas anuais. Os governos dispostos a cooperar saberão que não poderão ser "explorados" por muito tempo, ao passo que os "caronas" poderão ser punidos e os penitentes trazidos de volta ao concerto.

Há falhas na analogia, evidentemente. Mas, se as coisas se agravarem o suficiente, então, com alguma sorte, todo mundo participará do jogo. (Tradução de Sergio Blum)