Título: Economia aquecida requer maior cautela do Copom
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2007, Opinião, p. A16

O relatório trimestral de inflação, divulgado na semana passada pelo Banco Central, expõe argumentos razoáveis para justificar uma cautela ainda maior na condução da política monetária.

As decisões nessa área são, por definição, tomadas em ambiente com elevado grau de incerteza. Movimentos na taxa de juros, sejam de contenção ou de relaxamento monetário, implicam riscos. Da leitura do relatório apreende-se a mensagem de que, no atual balanço de riscos, são maiores as chances de aceleração da inflação do que de frustração do crescimento econômico.

A aceleração da atividade já se materializou e, sobre ela, a única dúvida é se será maior do que a encomenda. No primeiro semestre, quando muitos analistas duvidavam que os cortes na taxa básica feitos desde setembro de 2005 pudessem chegar à atividade, o consumo das famílias caminhava a passos largos, com crescimento na casa de 6%. O relatório de inflação registra que, até julho, a indústria de transformação se expandia à taxa anual de 5,1%, puxada pelo avanço de 17% na produção de bens de capital e de 5,9% em bens de consumo.

Além dos estímulos monetários, a economia passou a ser movida pelo aumento da renda real, fruto do controle da inflação. O aumento das transferências governamentais, como o Bolsa Família e os benefícios assistenciais, tornaram mais robusto o consumo das camadas mais pobres da população. Impulsos fiscais meritórios, como os investimentos, e outros condenáveis, como o aumento de gastos correntes, também resultam em importantes estímulos à economia.

Tudo indica que são desnecessários impulsos monetários adicionais para sustentar o ritmo de expansão da economia. Como bem nota o relatório de inflação, o descompasso entre as vendas e a produção industrial desaparece, o que reforça a avaliação de que o ciclo de expansão deverá continuar nos meses seguintes. A economia entrou em um ciclo virtuoso, no qual os empresários acreditam que a expansão da economia é sustentável e, por isso, investem, alavancando ainda mais o potencial de crescimento da economia.

O único risco visível para a trajetória de crescimento é a inflação. Após chegar a um mínimo de 2,96% nos 12 meses terminados em março, o IPCA se acelerou, acumulando 4,18% em período correspondente encerrado em agosto. A alta dos preços foi liderada, em um primeiro momento, pelos alimentos. O consumo dos mais pobres, que formava um dos pilares do atual ciclo de expansão, foi atingido. Há sinais, por outro lado, de que os aumentos de preços se tornam mais disseminados.

O índice de difusão do IPCA, que revela a proporção de produtos que teve aumentos de preços, foi de 63,28% em agosto, acima da média de 60,87% observada em 2005, quando a inflação chegou a 5,69%. Uma inflação disseminada seria capaz de corroer ainda mais a renda real, minando o crescimento da economia e desfazendo os efeitos redistributivos dos programas sociais.

Pior do que a economia desacelerar em virtude da alta da inflação é o BC agir agora com leniência e, mais adiante, ser obrigado a corrigir os rumos da política monetária, apertando os juros. Em fins de 2003, a autoridade monetária fez reduções generosas na taxa básica e, em setembro do ano seguinte, foi obrigada a apertar os juros de novo.

Durante a divulgação do relatório de inflação, o diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita, lembrou que os atuais níveis de utilização da capacidade instalada da indústria, que chegaram a 82,5% em julho, são semelhantes aos observados em fins de 2004, quando a inflação se acelerou. "Há um certo aquecimento da economia, que favorece o poder de fixar preços das empresas", reconheceu.

No Ministério da Fazenda, há preocupações sobre o risco de uma interrupção nos cortes de juros dar sinalização negativa aos empresários, desacelerando investimentos. É uma questão pertinente. O balanço de riscos entre inflação e crescimento deve ser continuamente reavaliado. O IPCA-15 de setembro, de 0,29%, registrou importante desaceleração em relação aos 0,42% de agosto. Apesar das preocupações com a inflação, o BC não se comprometeu de antemão com nenhuma decisão, e ainda restam duas semanas até a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).