Título: Governo ameça tirar da CSN concessão da Transnordestina
Autor: Safatle, Claudia; Durão, Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2007, Empresas, p. B9

Há cerca de um mês a ministra chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, e o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, tiveram uma reunião com a direção da Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN), subsidiária da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e concessionária da Transnordestina. Foi uma conversa "dura", relatou Nascimento. A CNF, sob o comando da CSN, presidida por Benjamim Steinbruch, disse, nesse encontro, que ainda não havia contratado o projeto executivo da obra.

"Dissemos a ele que o governo não vai aceitar que essa obra seja empurrada com a barriga. Que ele teria que tomar medidas porque essa era uma obra do PAC e há o compromisso do presidente da República de realiza-la. Agora ele sabe que o governo tomará todas as providências, todas, caso ele não faça. Nós somos o poder concedente e a solução é fazer a obra até 2010", explicou Dilma ao Valor. São 1.800 quilômetros de ferrovia ligando os portos de Pecém (Ceará) e Suape (Pernambuco) a Eliseu Martins (Piauí) cujos cronogramas tanto da obra física quanto dos valores e prazos de desembolsos estão sendo totalmente rediscutidos. Segundo o ministro dos Transportes, foram, inclusive, agregadas novas obras e o setor público terá que colocar mais recursos. O governo entende que essa ferrovia é fundamental para o escoamento da produção do sul do Piauí e Maranhão e parte do Centro-Oeste, que vai para os dois portos.

"Estamos na fase de discussão do cronograma com o Benjamin Steinbruch e vendo se vamos concordar com o que ele está propondo, por que nós financiamos quase tudo. Ele entra com apenas R$ 570 milhões de um total de R$ 4,5 bilhões", assinalou a ministra.

Tufi Daher Filho, diretor presidente da CFN, confirmou que a CSN está refazendo todo o cronograma para entregar ao governo nos próximos 15 dias. O cronograma anterior previa que dos 1.800 quilômetros de extensão da estrada-de-ferro, 1.100 quilômetros que unem Salgueiro, em Pernambuco, ao porto de Pecém (PE), ficariam prontos até 2010. Enquanto os 700 quilômetros restantes, trecho entre Missão Velha (Paraíba) e o porto de Pecém, seria entregue em 2013.

Para Faher Filho, os maiores desafios deste cronograma são, da parte da CSN, antecipar a entrega dos projetos executivos da obra e os relatórios ambientais, EIA-RIMA; e, da parte do governo, são dar solução diferente da atual para as desapropriações e antecipar os prazos das licenças ambientais. "Se quisermos agilizar a obra, todos os envolvidos tem que ter seus desafios de antecipar seus prazos", disse.

O prazo para entrega dos projetos executivos, segundo ele, tem data inicial prevista para fevereiro de 2008, podendo chegar até abril porque este é um trabalho de grande complexidade, dado o tamanho da ferrovia, e com vários trechos sendo feitos em tempo recorde . "O projeto executivo engloba projeto conceitual e básico (definição do traçado) e o projeto executivo (os detalhes de todos os trechos dos 1.800 quilômetros). A CSN contratou duas empresas, a Enefer e a Concremat, para cuidar destes projetos.

Na verdade, a Transnordestina conta com três projetos executivos. O que liga o primeiro trecho da ferrovia que vai de Salgueiro (PE) a Missão Velha (PB) e já está pronto, pois havia sido feito pelo DNIT. O segundo, que liga Salgueiro (PE) a Trindade (PE) está sendo feito pelo governo de Pernambuco e também está praticamente pronto, devendo ser entregue mês que vem à CFN. Já outros três trechos grandes da ferrovia serão de responsabilidade exclusiva da CSN: o que vai de Trindade para Recife, outro para Fortaleza e outro para o município de Eliseu Martins no Piauí, onde tem um ponto de captação com caminhos que se cruzam para os dois portos, o de Suape, através de Pernambuco; e o de Pecém , via Missão Velha (PB), passando por Juazeiro do Norte (CE).

Por já estar pronto o projeto executivo de Salgueiro a Missão Velha, as obras deste trecho da ferrovia já começaram em meados deste ano e o BNDES já liberou uma parte de um empréstimo ponte de R$ 100 milhões para tocar o empreendimento. O diretor presidente da CFN acredita que até o final do ano a Transnordestina vai contar com 100 quilômetros de ferrovia concluídos. Ele contou que só neste primeiro trecho tiveram que ser feitas 331 desapropriações de pequenas propriedades agrícolas.

Esse é um outro problema que o governo está tentando resolver e dar agilidade. " Nossa idéia é que o Benjamin gaste o dinheiro dele nas indenizações, coisa de R$ 50 milhões", informou o ministro dos Transportes. Para ser feita pela União, o governo tem que declarar a área de utilidade pública, fazer as desapropriações uma a uma em juízo e isso pode tomar um longo tempo. A proposta em análise é passar a tarefa para a CFN e o governo compensar esse gasto do concessionário assumindo outro ônus equivalente na obra. Se isso não puder ser feito, a alternativa será transferir as desapropriações para a Valec (empresa estatal criada para construir a ferrovia Norte-Sul). Um ponto importante para a CSN é a necessidade que terá de antecipação dos recursos para a obra ficar pronta em 2010.

Dos R$ 4,5 bilhões de investimento na Transnordestina, a CSN entra com R$ 570 milhões de recursos próprios, e mais R$ 500 milhões que tomou emprestados do BNDES, com 20 anos para pagar. Os financiadores da obra serão o FDNE ( Fundo de Desenvolvimento do Nordeste), que entra com R$ 2,270 bilhões, sendo metade em aporte de capital e metade em dívida. O FDNE, segundo Daher Filho, terá que antecipar recursos para 2008, 2009 e 2010, pois seu "funding" estava previsto para entrar no final do projeto. Os novos contratos já estão em negociação.

Outra fonte de dinheiro é o Finor, que começa até o final do ano a liberar parte dos R$ 800 milhões para a obra. O BNDES entra com R$ 900 milhões, sendo R$ 500 milhões emprestados à CSN e R$ 400 milhões para a CFN. Deste total, será descontado da CFN o empréstimo-ponte de R$ 100 milhões em parte antecipados para o início da obra.

Daher Filho disse ainda que esses recursos contemplam R$ 290 milhões para a construção de terminais portuários da Transnordestina nos portos de Suape (PE) e Pecém (CE), que fazem parte da concessão. A Transnordestina é uma empresa incorporada à CFN. A CSN tem uma participação de 45,8%; a Taquaril (empresa da família de Benjamin Steinbruch, controlador da CSN) detém outros 45,8%; e o BNDES, 8,4%.

O BNDES considera difícil o projeto da ferrovia estar totalmente acabado em 2010, como quer o Planalto. As obras são complexas e a malha ferroviária existente é totalmente ruim, necessitando da construção de trechos novos. Tirando o trecho Missão Velha (PB), até Pecém (CE), cuja parte do leito existente será reaproveitado, todo o resto é projeto novo.

No caso da Ferronorte Rondonópolis, onde a ALL tem a concessão por 90 anos, a ministra da Casa Civil informou que foi feito um aditivo ao contrato que diz que a ANTT vai consultar o concessionário sobre se ele quer fazer a obra e quando pretende faze-la. " Já mandamos, na quarta-feira, para a ANTT documento determinando que seja contactada a concessionária ALL para num prazo de seis meses apresentar os estudos de viabilidade econômica do trecho entre Rondonópolis e Alto Araguaia", contou o ministro dos Transportes. Segundo ele, já há um trecho de 411 quilômetros sendo operado, que sai de Alto Araguaia até Santos, faltam 262 quilômetros para chegar a Rondonópolis, onde há grande volume de produção "Como o governo decidiu que fará a obra, ou a empresa faz ou partimos para a briga e tomamos a concessão", ameaçou, lembrando, porém, que essa não é uma solução simples.

A ALL, consultada pelo Valor, afirmou que tem interesse no projeto e já está "trabalhando junto ao BNDES para viabilizar sua construção". Hoje há um trecho de 497 quilômetros construído, que vai de Aparecida (SP) até Alto Araguaia (MT) e o novo trecho, que irá até Rondonópolis (MT), está orçado em R$ 600 milhões. A empresa alega, em sua defesa, que esse trecho foi herdado com a compra da Brasil Ferrovias, em maio do ano passado e disse que ainda não foi procurada pelo Ministério dos Transportes ou ANTT para tratar do assunto. (Colaborou Marli Lima, de Curitiba)