Título: Cheque especial volta a crescer e inadimplência já assusta bancos
Autor: Travaglini, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2007, Finanças, p. C1

O que já foi o principal atrativo das contas correntes nos bancos é hoje a maior dor-de-cabeça para muitas famílias. O cheque especial, cujos juros são os mais altos praticados no Brasil, em média 7,6% ao mês, voltou a ser uma das linhas que mais crescem.

Até julho, o uso desse limite foi o que mais avançou no ano , 20,6%, superando cartão de crédito (20,3%) e veículos (13,7%). Só fica atrás do consignando (39,7%), segundo dados do Banco Central. Em agosto, registrou crescimento menor, mas se manteve com volume de concessões mensais na casa dos R$ 18,5 bilhões, mais de um terço do volume oferecido a cada mês para as pessoas físicas (R$ 49,5 bilhões).

Um dos motivos é que o cheque especial torna-se a última alternativa depois de as pessoas ficarem penduras em outros financiamentos. "Esta é uma linha que o brasileiro tem o costume de usar devido à facilidade, por ser uma linha pré-aprovada, e porque o salário sempre termina antes do mês", diz o diretor da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel de Oliveira.

De fato, o uso médio está na casa dos 22 dias por mês (dois dias a mais do que no começo do ano). É fato também que a renda média do brasileiro, apesar do aumento real que vem sofrendo nos últimos anos, caminha a uma taxa inferior à do crédito.

Enquanto o saldo dos empréstimos avançou 23,6% no ano passado, o rendimento médio mensal dos trabalhadores aumentou 7,2%, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2006, do IBGE, atingindo o mesmo patamar de 1999, estimado em R$ 883.

Essa diferença, explica o professor da Fundação Getúlio Vargas, Fábio Gallo, ao mesmo tempo em que facilitou o acesso ao crédito para uma faixa de renda da população que estava fora do sistema, liga um sinal de alerta para os riscos no longo prazo.

"Com o aumento da renda, as pessoas naturalmente tendem a consumir um pouco mais. E existe um apelo do comércio varejista", diz o professor, que também dá aulas na PUC de São Paulo. Essa elevação do consumo caminha lado a lado com a evolução do crédito. Um bom exemplo é o crescimento da venda de veículos de mais de 20% no ano, mesmo patamar da expansão dos financiamentos de autos.

O problema é que a renda é pouca e boa parte dela já está comprometida com outros empréstimos. "O brasileiro ainda não tem uma forma de controle orçamentário. Quando precisa comprar alimentos ou remédio, a alternativa é o cheque especial", explica Gallo.

O dilema, ressalta, ganha mais força se analisado do ponto de vista do risco. Ainda de acordo com dados do BC, a inadimplência do cheque especial é de 9,5%. Isso significa que quase uma em cada dez pessoas que acessam o limite está com essa dívida a mais de 90 dias (acima da média para pessoas físicas, de 7,1%).

Esse "ciclo vicioso", nas palavras do professor, precisa ser evitado pelos próprios bancos. "É uma nova geração que está tomando crédito e passando por um aprendizado do uso desses recursos. Cabe ao banco ficar atento e ter uma postura mais consciente", avalia.

Para o curto prazo, esse avanço tem muitos aspectos positivos, diz o professor da FGV. Para os próximos anos, no entanto, Gallo ressalta que pode haver algum impacto no consumo e no achatamento da classe média. "Quando o Brasil começa a ter uma melhor condição econômica, com a renda começando a ter sinais de recuperação, é preciso ter consciência para evitar desarranjos."

No ano passado, os bancos chegaram a reduzir as concessões de empréstimos para brecar o avanço da inadimplência. A demanda por recursos, no entanto, continua forte e a saída encontrada para diminuir os riscos das operações é tentar orientar o cliente para tomar dívida de forma mais consciente.

O Banco Real, por exemplo, fez extensa campanha para o uso consciente do crédito, diz o superintendente de investimentos do banco, Eduardo Jurcevic. "Muitos clientes incorporam as linhas oferecidas como uma extensão do salário, mas os instruímos a usarem o cheque especial apenas para emergências." Como o banco oferece 10 dias sem juros, a orientação é para que o uso se limite a esse período (caso contrário são cobrados juros pelo período incluindo os 10 dias), o que nem sempre ocorre.

O Itaú, que lançou cartilha em 2004, reforçou a orientação este ano para o melhor aproveitamento dos empréstimos e da gestão da conta corrente.

Ainda na linha da preocupação com o cliente, o gerente do Banco do Brasil, Gueitiro Matsu Genso, explica que a comodidade da liberação automática é o grande atrativo. Por isso, o banco criou uma liberação automática de linhas de crédito consignado assim que o uso do cliente supera os 30% do limite.

Quando o cliente acessa o caixa eletrônico, é enviada uma proposta de empréstimo consignando para substituir a dívida do cheque especial. Segundo ele, no primeiro mês de experiência, da produção mensal do consignado (cerca de R$ 1 bilhão), mais de 10% (R$ 136 milhões) vieram desse tipo de liberação.

Ele diz que o banco percebeu que acima desse patamar de 30% a linha começa a ser usada para financiar o consumo, "o que não é a função tradicional" (que seria de cobrir eventuais despesas inesperadas). O banco é líder no segmento de consignando, com uma carteira de R$ 10,7 bilhões.

Esta não é apenas uma ação de benevolência, mas sim de controle do risco das carteiras, ressalta o executivo da Anefac. "Para os bancos o cheque especial é uma linha muito atraente, representando duas vezes mais receita do que o empréstimo pessoal."