Título: Fusão de Santander e ABN mudará mapa do mercado
Autor: Carvalho, Maria Christina
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2007, Finanças, p. C12

Termina nesta semana a batalha pelo controle do banco ABN AMRO. A disputa começou em março, na Europa, e terá profundas repercussões no mercado brasileiro. É praticamente certa a vitória do consórcio formado pelo espanhol Santander, o britânico Royal Bank os Scotland (RBS) e pelo belga-holandês Fortis.

A proposta do consórcio de 71,1 bilhões de euros é superior à de 68 bilhões de euros do outro interessado, o britânico Barclays. Na sexta-feira, os acionistas do banco holandês vão definir sua opção.

Caso o consórcio saia vencedor, a idéia é dividir o ABN AMRO conforme os interesses geográficos de cada membro do grupo. Como se antecipa amplamente, as operações brasileiras vão ficar com o Santander, mais do que dobrando sua plataforma no país. A soma dos músculos do ABN AMRO e do Santander vai criar um dos líderes do mercado brasileiro, com reverberação em todos os outros bancos, que já estão se mexendo.

A soma do ABN com o Santander criará o maior banco privado mercado e o segundo depois do Banco do Brasil (BB), de acordo com o ranking dos 50 maiores bancos, feito pelo Banco Central (BC) com base nos ativos excluída a intermediação financeira.

Pelo critério mais amplamente aceito pelos analistas, que leva em conta os ativos totais incluindo seguros e outros produtos, o novo banco só perderá do Bradesco e do BB. O incômodo não será só para o Bradesco, na dianteira por uma margem estreita, mas também - e principalmente - para o Itaú e Unibanco, que perderão os tradicionais primeiros lugares.

"Há sempre uma superposição de ativos de modo que não dá para somá-los simplesmente. Mas os outros bancos terão que olhar com respeito o competidor e crescer não só orgânicamente. Tamanho não é tudo, mas é importante", disse a analista da Standard & Poor's, Tamara Berenholc.

Não é por outro motivo que o mercado já fervilha com rumores de uma nova rodada de aquisições nem bem os acionistas do ABN AMRO batam o martelo. Quem não comprar, pode virar alvo.

Para complicar o posicionamento, novos gigantes internacionais como o Scotiabank, estão voltando a olhar o mercado brasileiro. E a alternativa de compra de bancos estaduais foi frustrada depois que o governo resolveu levar o BB a absorver o Besc, o Banco do Piauí e o Banco Regional de Brasília (BRB).

Para alguns analistas, o poder de fogo do novo Santander pode ser melhor medido por outros indicadores. Em crédito, o Santander terá o segundo lugar entre os bancos privados, assumindo uma fatia de 12,5% do mercado; e em depósitos totais, será maior até que o Bradesco, com 10,97%.

A complementaridade dos dois bancos é notável. O ABN AMRO reforçará o Santander exatamente em pontos que o banco espanhol não consegui decolar. Entre eles a analista financeira do Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração (Inepad) Ariadne Aranha Arnosti citou o crédito para pessoa física e o financiamento de veículos. "Cerca de 51% da carteira de crédito do Real é de pessoas físicas e um dos pontos fortes do banco é o financiamento de veículos. Com a financeira Aymoré, o ABN tem 16% do financiamento de veículos e o Santander, 7%", disse Ariadne.

O ABN opera no Brasil desde 1917. Até 1963, limitava-se a financiar o comércio exterior, quando comprou 50% da financeira Aymoré, arrematando os 50% restantes em 1970, de acordo com relatório da Fitch Ratings. Em 1998, deu o maior passo ao adquirir o Banco Real, quarto maior do mercado, por US$ 2 bilhões. Depois disso, comprou os bancos estaduais de Pernambuco (Bandepe) e da Paraíba (Paraiban) e o Sudameris.

Com 13,1 milhões de clientes e uma rede de 1,1 mil agências, o ABN AMRO Real domina 10,2% do mercado de crédito para pessoa física, de acordo com levantamento do Inepad, só ficando atrás do BB, Bradesco e Itaú.

No ano passado, o banco acelerou o crédito para pequenas e médias empresas, nicho do qual passou a deter 22%, superando até mesmo o BB (20%) e o Itaú (20%) e só ficando atrás do Bradesco (29%), segundo o Inepad.

O Santander começou a operar no Brasil em 1982 quando abriu escritório de representação. Em 1991 inaugurou um banco de investimento. Com a estabilidade econômica, partiu para aquisições e investiu US$ 7,2 bilhões no país. Entre agosto de 1997 e janeiro de 2000, comprou quatro bancos, o Geral do Comércio, Noroeste, Meridional e Bozano, Simonsen. Mas a grande tacada foi a compra do Banespa, em novembro de 2000.

Entre dezembro de 2000 e dezembro de 2003, dedicou-se a consolidar as operações brasileiras, com ênfase para a tecnologia, diz relatório da Fitch.

Sua estratégia tem sido focada na administração de folha de pagamento para aumentar a receita por cliente e penetração de produtos. Com isso, alavanca o crédito consignado, o financiamento ao consumo e o cartão de crédito. Com 1 mil agências, tem 7,4 milhões de pessoas físicas e 300 mil empresas de pequeno e médio porte com faturamento anual até R$ 20 milhões.

Parte dos clientes do Santander foi herdada com a compra do Banespa que administrava a folha de pagamentos de funcionários do governo de São Paulo. Apesar da folha ter sido transferida para a Nossa Caixa no início do ano, os depósitos do banco cresceram. Isso pode ter ocorrido porque houve uma boa retenção de correntistas e porque novos clientes foram adquiridos, inclusive com a conquista da folha do governo carioca.

O professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCE/UERJ), Luiz Fernando de Paula, ressalta que, além do financiamento de veículos e do middle market, a aquisição do ABN fortalecerá o Santander em regiões onde tem presença tímida, como o Nordeste. Apesar da eventual superposição de agências em São Paulo, nota que a clientela é distinta em vista da ênfase do ABN AMRO Real e do Sudameris na faixa de renda mais alta.