Título: Esse tal investidor
Autor: Fariello, Por Danilo
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2007, Eu & Investimentos, p. D1

Nos próximos 18 meses, os investidores passarão a ser melhor conhecidos pelas instituições onde aplicam seu dinheiro. Essa é a missão da recém-criada Comissão de Distribuição de Produtos de Varejo, da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). A comissão será coordenada por Marcos Villanova, responsável pela área de Produtos de Investimento do Bradesco.

O objetivo é, por meio de uma combinação de regras e auto-regulação do setor, possibilitar aos bancos adotar padrões para detectar previamente qual o perfil de risco dos clientes e aumentar a transparência do mercado. Por conseqüência, os bancos deverão se comprometer mais a não expor o cliente além do risco que ele poderia correr, segundo seu perfil. Os bancos também assumirão mais compromissos em qualificar sua equipe para dialogar com os aplicadores nesse cenário de maior sofisticação de produtos.

A comissão será subdividida em três subcomissões que delimitam as principais linhas do projeto. A principal dá conta do próprio levantamento do perfil do investidor, denominado "suitability" - termo pelo qual é conhecido no exterior. Por ele, os bancos conhecerão as metas dos clientes e, a partir do resultado, oferecerão ou não certos investimentos.

A ação dos bancos ocorre no momento em que o setor de fundos está pegando fogo, ultrapassando a marca de R$ 1 trilhão este ano e continuando a crescer com força. O avanço se dá principalmente em aplicações mais complexas e sofisticadas, em geral com renda variável e maior risco, e que exigem mais cuidado na distribuição. Com o corte do juro básico a 11,25% ao ano, até investidores de varejo agora procuram aplicações arrojadas.

Diante dessa evolução do mercado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) recentemente determinou a adoção de cuidados maiores pelos bancos ao distribuir fundos, principalmente os agressivos, aos investidores de primeira viagem. Para isso, colocou em audiência pública em março uma minuta que regulamenta a responsabilidade das instituições ao oferecer investimentos. O mercado, porém, quer definir suas próprias regras sobre avaliação do perfil de risco dos investidores de fundos.

Para tanto, a Anbid tem discussões avançadas sobre quais os critérios básicos para enquadrar os investidores. Como, por exemplo, quais seriam as perguntas fundamentais a serem feitas. Questões como a situação familiar, a posse de bens ou metas para o futuro, por exemplo, podem dar uma boa idéia ao banco do perfil do investidor. Muitas instituições até já possuem modelos desses questionários. Um banco estrangeiro, por exemplo, já faz normalmente 14 perguntas ao investidor e, daí, qualifica-o numa escala de oito níveis de risco.

Mas a meta é formar algo padronizado para todo o mercado, diz Villanova. "Algumas instituições também poderão ir além do básico, para conhecer melhor seus clientes e buscar mais vantagens para ambos", diz ele, prevendo um estímulo à melhora do relacionamento entre os bancos e seus clientes.

O setor também discute a partir de que nível de risco de investimento seria necessária a aplicação do "suitability". Ainda não há consenso, mas muitos participantes do mercado gostariam de que a CVM aliviasse a necessidade de aplicar a exigência para quem aplica apenas em fundos de baixíssimo risco, como curto prazo e DI. Outra demanda dos bancos que deverá ser sugerida é a consideração de exceções ao "suitability", como, por exemplo, quando o investidor tiver recursos extraordinários - como uma herança, por exemplo - que não se enquadrem no perfil já produzido e que queira aplicá-los em alternativas de maior risco.

Nos Estados Unidos, o "suitability" já é adotado há anos e alguns bancos chegam a informar aos clientes quando as condições dos seus investimentos ou do cenário mudam e a aplicação se desenquadra do perfil definido anteriormente. Segundo Villanova, porém, a principal inspiração para a adoção do questionário local vem de Hong Kong, onde o setor de fundos é tão desenvolvido que concentra valor acima do PIB. "Estamos discutindo muito e queremos sugerir um consenso de 'suitability' à CVM até o fim deste ano", diz Villanova.

Ele reconhece, porém, que a adoção do questionário de avaliação de perfis no dia-a-dia poderá levar muito tempo, porque todas as instituições terão de criar um banco de dados próprio para armazenar essas informações. A idéia seria começar com os novos e maiores investidores de cada instituição, para depois incorporar à lista o perfil daqueles grandes que já investem e dos menores. A adoção total do "suitability" deverá levar mais de um ano, diz Villanova. "Mas a meta é realmente atender a todo o varejo."

Após a implantação das novas normas, os bancos poderão ser responsabilizados pela CVM ou pela própria Anbid, caso ofereçam aplicações que não sejam condizentes com o perfil do investidor declarado anteriormente. Nesse sentido, tanto bancos como investidores ficarão mais protegidos. Para o cotista, será uma defesa para quando ele julgar ter corrido riscos demais. No entanto, ele também deverá estar mais alerta às informações oferecidas pela instituição antes de aplicar, que deverão trazer os riscos de forma cada vez mais esmiuçada. Se ele disser não ter previsto o risco, mas seu perfil for adequado ao investimento e a previsão estiver no regulamento, não haverá argumentos fortes para reclamar.

Para Villanova, a adoção por parte dos bancos dos projetos discutidos em sua comissão não deverá elevar os custos de investimentos para os aplicadores, com maiores taxas de administração em fundos, por exemplo. "As estratégias deverão aproximar o atendimento oferecido ao varejo daquele dado aos aplicadores de mais alta renda, mas, com os juros menores, não haverá como bancos repassarem esses custos ao investidor."