Título: O ovo antes da galinha
Autor: Monteiro, Luciana ; Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2007, Eu, p. D1

O otimismo voltou a tomar conta do mercado financeiro, principalmente da bolsa, embora não faltem ressalvas para tanta confiança. As perspectivas para o Índice Bovespa para outubro são positivas, mesmo após o indicador ter encerrado setembro em alta de 10,67%, superando os 60 mil pontos. O problema é que grande parte desses bons presságios para o mês está na fé de que o banco central americano (Fed) irá novamente reduzir os juros na reunião que será realizada entre os dias 30 e 31. Se, no entanto, houver indícios de que esse corte não irá acontecer, as ações poderão ter fortes perdas. Ou seja, o mercado quer ir ao restaurante, comer bem e pendurar na conta de Ben Bernanke, presidente do Fed. As últimas 48 horas de outubro, portanto, poderão definir o destino dos ativos de todo o mês.

No cenário interno, os olhos estarão voltados para a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que ocorre dias 16 e 17. Diante de maiores pressões inflacionárias, alguns especialistas avaliam que desta vez o comitê poderá optar por suspender a trajetória de corte dos juros básicos da economia, hoje em 11,25% ao ano. Há previsão de um descompasso entre oferta e demanda, pois as indústrias estão com uma capacidade utilizada alta, a demanda está aquecida, mas não há grande expectativa de investimentos para aumento de oferta, lembra Rodrigo Aché, da Brascan Corretora. "Além disso, ainda é preciso ver a inércia dos dois cortes de 0,5 ponto percentual realizados em junho e julho", diz o executivo, que acredita na manutenção dos juros no mês. Em setembro, o Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), o juro interbancário que serve de referencial para os fundos de renda fixa, teve variação de 0,80% e, no ano, acumula 8,96%.

Para a bolsa, o panorama é positivo, mas não quer dizer que o mercado não estará sujeito a chuvas e trovoadas, avalia Aché. Ainda não é possível dizer se a redução da atividade econômica americana culminará numa recessão ou somente numa desaceleração, diz o executivo. "Por aqui, continuamos à mercê dos números divulgados lá fora." Apesar de otimista, Aché acredita que o risco para quem quiser ingressar agora em bolsa é muito alto, dadas as incertezas com inúmeras variáveis externas. Por isso, ele aconselha colocar somente uma parcela pequena do patrimônio em ações. No ano, a alta do Ibovespa chega a 35,96%.

As ações da Vale do Rio Doce foram o grande destaque da bolsa no mês passado, com alta de 27,76% para as ações ordinárias (ON, com direito a voto) e de 28,57% das preferenciais (PN, sem voto). Os fundos compostos por papéis da mineradora rendiam 21,26% até o dia 25, mas o ganho deve ser ainda maior dada a alta de 4,03% das ONs nos dois últimos dias de setembro. No ano, o retorno dessas carteiras supera a marca dos 83%.

Setembro foi um mês interessante, com a bolsa espetacular e os fundos multimercado nem tanto, diz George Wachsmann, sócio da Bawm Investments. Até sexta-feira da semana passada, entre 200 fundos acompanhados pela instituição, 50 apresentavam perdas no mês, 50 ganhavam menos que o CDI e cerca de 100 estavam acima do referencial. "Mas tinha fundo ganhando 5% e outro perdendo 5%", diz. Muitos fundos não conseguiram, porém, recuperar as perdas da crise, diz Wachsmann. "A maioria vinha muito bem antes da crise de julho e, agora, temos 120 acima do CDI no ano, 50 abaixo e 20 com prejuízo", diz. "Tudo isso é bom para o investidor entender que fundo multimercado não é como fundo de ações, não se recupera quando o mercado sobe, pois o gestor tem de controlar os riscos e normalmente reduz a exposição e acaba não acompanhando quando o mercado volta", lembra ele.

Mesmo os fundos de arbitragem de ações, os long/short, também sofreram, pois costumam estar comprados em papéis de segunda linha e vendidos em "blue chips" (ações de primeira linha). "Como a recuperação do mercado se deu quase só nas 'blue chips', esses fundos sofreram", diz. Wachsmann explica que há uma grande dispersão de ganhos entre os fundos multimercados. "Setembro deve ter representado uma das melhores oportunidades para os fundos, mas, como muitos entraram o mês machucados, evitaram arriscar em bolsa e, com poucas exceções, não aproveitaram esse ganho", diz.

Wachsmann lembra que quem investiu na bolsa quando o Ibovespa estava em 45 mil pontos, em 16 de agosto, ganhou quase 15 mil pontos em um mês. Apesar de otimista com o Brasil, ele diz que o movimento de agosto, quando o Ibovespa foi de 58 mil ao piso de 45 mil pontos, poderá acontecer de novo, por isso o melhor é o investidor ter cautela.

O otimismo moderado para a bolsa também é o tom do discurso de Ricardo Junqueira, sócio da Ático Asset Management. Os problemas com os papéis hipotecários americanos ("subprime") estão mitigados, pois esses títulos ruins não estão concentrados numa única região ou instituição, o que dispersa a percepção de risco, avalia. "A bolsa brasileira também é a mais barata do mundo, portanto, há espaço para ela subir", diz.

Com relação aos juros, as opiniões sobre um possível corte da Selic na reunião de outubro se dividem. Todos concordam, no entanto, que a inflação voltou a preocupar. Os papéis indexados à inflação podem ser uma alternativa no longo prazo, diz André Schibuola, sócio da Precision Asset Management, especializada em renda fixa. Para ele, as Notas do Tesouro Nacional da série B (NTN-B), atreladas ao IPCA, estão um pouco caras, mas têm potencial de ganhos ante a expectativa de inflação, principalmente no ano que vem. Além disso, ele lembra ainda que o IPCA reage mais lentamente que o IGP-M. Em setembro, o IGP-M apresentou alta de 1,29%.

Após quatro reuniões sem unanimidade, o Banco Central terá de dar um sinal para o mercado de que ele pode confiar na autoridade monetária novamente, avalia Eduardo Canto, responsável pela área de renda fixa da Ático Asset. "É muito difícil avaliar o que acontecerá na reunião de outubro, pois o Copom tem fundamentos para não reduzir o juro por causa da inflação", diz. "Em contrapartida, o BC também já conta com esse cenário há algum tempo."

O Fed agiu na hora certa cortando juros, mas isso não encerra o episódio, diz o ex-presidente do BC Gustavo Franco em depoimento no site da Rio Bravo, sua empresa. "A comida contaminada continua no sistema, um pouco digerida, e o mercado aguardará resultados dos bancos", diz. Se os resultados vierem bons, o mercado questionará a ajuda aos bancos americanos. "Mas, se vierem mal, a discussão será que a crise não acabou".