Título: Subsídio pressiona contas do governo argentino
Autor: Moreira , Assis; Saccomandi, Humberto
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2007, Internacional, p. A9

A persistente alta dos preços do petróleo vai pressionar ainda mais o caixa do governo argentino, que luta para evitar que a elevação dos preços internacionais chegue ao mercado interno e aumente ainda mais a inflação. Economistas e analistas do setor estimam que o inevitável repasse dessa alta deverá reduzir o ritmo de crescimento atual de 8,5% do PIB.

Oficialmente os preços dos combustíveis nas bombas dos postos estão congelados há quatro anos. Os dos derivados de petróleo são livres, mas estão regulados por "acordos" entre as indústrias e o governo, que permitem alguns ajustes limitados. Para compensar as empresas, o governo Néstor Kirchner subsidia a diferença entre os preços internacionais e os locais.

Cálculos do ex-secretário de Energia, Daniel Montamat, hoje consultor privado e um dos maiores especialistas do setor no país, apontam que o governo argentino gastou este ano US$ 5 bilhões em subsídios diretos, de fonte orçamentária, para compensar as petroleiras. Mas ele calcula que o total de subsídios chega a US$ 9 bilhões, se somados os indiretos, que se propagam pela transferência de renda dentro da cadeia de produção e distribuição de hidrocarbonetos, somado à queda dos investimentos e às maiores importações de petróleo e gás.

Há uma grande incerteza para 2008 quando, se espera, o governo tenha que afrouxar a corda dos preços para reduzir subsídios e voltar ao equilíbrio fiscal. O superávit das contas públicas da Argentina baixou de 3,54% do PIB em 2006 para 3,29% este ano.

"É possível se 'divorciar' dos preços internacionais desde que se possa auto-abastecer, como é o caso da Venezuela. Mas não é o caso da Argentina. Nosso país vem declinando sua produção de petróleo e gás. Poderá manter os preços atuais enquanto tenha superávit fiscal para importar energia", afirma Yanella Lovechio, pesquisadora especialista em petróleo e gás, sócia da consultoria Montamat.

O problema, ressalta Yanella, é que ao fechar a porta aos preços internacionais do petróleo, o governo ganha com o controle da inflação mas debilita o superávit comercial que é a base de seu modelo econômico, junto com o superávit fiscal e o câmbio desvalorizado.

De 2000 a 2006, a balança comercial energética da Argentina registrou um saldo positivo médio de US$ 4,7 bilhões, sendo que em 2006 foi de US$ 5,8 bilhões, representando quase 50% do saldo comercial total do país. Este é um dado positivo que está se perdendo com a alta dos preços e a política de controle do governo. Em julho passado, alerta Daniel Montamat, a balança comercial energética teve um saldo negativo de US$ 23 milhões pela primeira vez em muitos anos.

Ainda não houve uma repercussão importante nas contas das indústrias petroquímicas, que têm licença para exportar livremente, portanto estão se beneficiando dos preços internacionais mais altos dos derivados. Também não chegou a afetar a rentabilidade do setor industrial como um todo porque metade das indústrias argentinas têm o gás como insumo principal de sua matriz energética. Além disso, com a economia crescendo a 8,5% ao ano, as empresas por enquanto estão ganhando com a forte demanda doméstica.

Porém já há grande pressão dos preços internacionais da matéria-prima para os custos finais das indústrias, que devem começar a ser repassados com mais intensidade a partir de agora, passadas as eleições presidenciais.

"A tendência é que os preços internos vão se ajustando, mesmo que lentamente, aos do mercado internacional", afirmou um diretor da Câmara Argentina da Indústria de Petróleo e Gás, e executivo de uma das grandes petroleiras, que pediu que seu nome não fosse citado. É que o governo Kirchner costuma perseguir empresários e executivos que façam comentários para a imprensa sobre a difícil situação energética do país.

Na verdade, a pressão dos preços internacionais do petróleo já está forçando o governo a liberar preços internos. Ao longo de 2007, os consumidores de gasolina e diesel já encontraram aumentos nas bombas, que foram feitos discretamente, para não chamar a atenção em um ano eleitoral.

Num dos maiores e mais movimentados postos de combustíveis Repsol YPF do bairro de Belgrano, na Zona Norte de Buenos Aires, os painéis apontavam que o preço da gasolina de melhor qualidade estava em 2,199 pesos, a comum a 1,919, o diesel (muito usado na Argentina tanto em caminhões quanto em automóveis) mais caro 2,299 e o mais barato, 1,599. (JR)