Título: Economia global resiste bem ao petróleo a US$ 100
Autor: Moreira , Assis; Saccomandi, Humberto
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2007, Internacional, p. A9

Em 2002, o barril do petróleo custava US$ 20, passou a US$ 30 em 2004, US$ 50 em 2006 e agora beira os US$ 100. Já em 2004, quando a subida começou, economistas de entidades internacionais calcularam que cada alta real de US$ 10 do barril significava redução de 0,2% no PIB global. O efeito previsto sobre o crescimento acabou, porém, não ocorrendo. A expansão econômica continuou. Pelo lado do comércio internacional, as importações subiram mesmo nos países mais afetados pela alta do petróleo. Mas será que a economia global vai resistir a essa pressão?

Francois Lescaroux, especialista do Instituto Francês de Petróleo, estima que o barril vai chegar a US$ 100, puxado pelas tensões internacionais e pelo intensidade do inverno na Europa e nos EUA.

Um barril a US$ 100 acende o sinal de alarme. Mas, ainda assim, economistas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), espécie de clube dos países ricos, estimam que o impacto será limitado sobre a expansão global. Há várias razões para "um certo otimismo" quando se compara a situação atual com os choques do petróleo de 1973 e de 1979, segundo economistas que trabalham no "ajuste" das projeções que serão divulgadas nas próximas semanas.

Primeiro, os países ricos são bem menos dependentes de energia para seu PIB. De um lado, eles aumentaram a eficiência energética, tanto nas atividades produtivas como nos transportes. De outro, o setor de serviços tem peso cada vez maior nas economias ricas.

Em estudo de outubro ("Os Efeitos Declinantes de Choques do Preço do Petróleo"), o economista Munechika Katayama, da Universidade da Califórnia, destaca três fatores que ajudaram a atenuar a resposta da economia à alta do petróleo: a desregulamentação do setor de transporte (que elevou a competição), a maior eficiência energética e o fato de os choques serem menos persistentes.

"O público e os formuladores de política podem ter a visão de que grandes altas no preço do petróleo ainda deflagram uma recessão profunda. Mas esperamos que amplas conseqüências recessivas de choques do petróleo, como as observadas nos anos 70, não voltarão a ocorrer", diz Katayama.

Em segundo lugar, ao contrário dos anos 70, centenas de bilhões de dólares acumulados pelos países exportadores de petróleo estão sendo gastos rapidamente. Eles continuam comprando muito, e mantêm assim a economia global em expansão. Basta ver o exemplo da Rússia, que elevou em 40% suas importações procedentes dos países-membros da OCDE, até julho deste ano. No mesmo período, a alta nas importações do conjunto dos países da Opep, o cartel dos exportadores petróleo, foi de 20%.

Resta que os países mais afetados pela alta do petróleo são duas importantes locomotivas, os EUA e o Japão. As importações americanas de mercadorias começaram a declinar nos últimos meses. Mas a Organização Mundial do Comércio (OMC) mantém a projeção de expansão de 6% das trocas globais.

O câmbio também atenua o encarecimento do petróleo em alguns países. Como o petróleo é vendido em dólares, as moedas que têm se valorizado frente ao dólar americano compensam em parte a alta do barril. Ou seja, o preço em dólar subiu, mas a moeda local hoje compra mais dólares. Isso acontece na Europa e em vários países da América Latina, inclusive o Brasil. Mas alivia pouco a situação de países asiáticos que têm evitado uma desvalorização maior do dólar. É o caso da China, do Japão e de outros grandes exportadores de manufaturas.

Estudos apontam ainda fatores menos visíveis. Em "Os Efeitos Macroeconômicos de Choques do Petróleo: Por Que os Anos 2000 São Diferentes dos Anos 70?" (de agosto deste ano), os economistas Olivier Blanchard e Jordi Galí, afirmam que uma menor rigidez em relação aos salários dá hoje às economias a flexibilidade necessária para se ajustarem a um período de choque do petróleo. Segundo eles, a rigidez nos salários é condição para gerar processos de estagflação como os ocorridos após os choques de petróleo dos anos 70.

Para Blanchard e Galí, os choques do preço do petróleo que ocorreram a partir dos anos 90 indicam uma mudança de paradigma, na qual o petróleo perde importância como fonte significativa de flutuações econômicas.

Outra diferença, dizem eles, é a crescente credibilidade da política monetária, que ajuda a conter a expectativa de inflação.

Outras medidas vêm ajudando a segurar o preço dos combustíveis. A China, um dos maiores importadores de petróleo, preferiu "compensar" com US$ 1,2 bilhão algumas empresas de petróleo que não puderam aumentar seus preços internos, para evitar alta na taxa de inflação. Outros países subsidiam o preço do petróleo, de forma que o choque sobre o bolso do consumidor é bem menor. A Argentina vem compensando parte da diferença entre o preço interno e o internacional (leia texto abaixo). No Brasil, os preços da gasolina e de outros derivados também não seguiram a alta do petróleo.

Kevin Cheng e Valerie Mercer-Blackman, pesquisadores do Fundo Monetário Internacional (FMI), previram esta semana que os preços recordes do petróleo devem elevar apenas marginalmente a inflação nos EUA nos próximos meses, e terão pequeno impacto sobre o crescimento mundial.

Ainda assim, no curto prazo, o maior receio parece que uma disparada da inflação, gerada em parte pelo petróleo (mas também por alimentos), leve os principais bancos centrais a elevar os juros e, assim, esfriar a economia global.

Questionado sobre a alta do petróleo, Frederic Mishkin, diretor do Fed (o BC dos EUA), alertou que os bancos centrais precisam "certificar-se de que isso não transpassará para a inflação no longo prazo". Destacou, contudo, que as autoridades monetárias não devem reagir a números de curto prazo.

Para Simon Derrick, do Bank of New York Mellon, "a preocupação entre investidores com o aumento da inflação mundial, e nos EUA em especial, está claramente aumentando".