Título: Sinais de tumulto também no mercado de moedas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2007, Opiniao, p. A14

Meia dúzia de bancos norte-americanos e europeus - Citi e Merrill Lynch à frente - já deram como perdidos algo como US$ 30 bilhões e muito mais prejuízos estão a caminho. A crise do subprime, pelo lado financeiro, segue roteiro previsível e o prejuízo que agora está aparecendo no balanço dos bancos é apenas uma parte dos provocados por investimentos aventureiros - a história completa pode ir longe. O risco maior imediato ainda não foi afastado: um aperto de crédito que atinja com mais intensidade os fluxos de crédito que irrigam de dinheiro as empresas e os consumidores. É com base neste temor que o Fed cortou novamente a taxa dos Fed funds em 0,5 ponto percentual em sua última reunião. Novas inquietações relacionadas a essa crise surgiram: a queda do dólar deixou nervoso o mercado de moedas e os investidores nela vêem os indícios de graves tumultos.

A corrida ao redesconto de liquidez, que levou o Fed a liberar cerca de US$ 50 bilhões para os bancos no dia seguinte à decisão de seu Comitê de Mercado Aberto, pode indicar que o BC americano, apesar dos riscos de leniência, enxerga perigos maiores do que os que a maioria dos investidores está vendo. A partir de agora, advertiu o Fed, novas quedas adicionais da taxa de juro dependerão da avaliação da conjuntura, já que os riscos de inflação e de desaceleração econômica estão equilibrados.

Apesar do turbilhão no mercado de títulos, e em parte por causa dele, a economia americana tem passado relativamente incólume à crise das hipotecas. No mesmo dia em que o Fed reduzia o juro, a estimativa oficial para o PIB americano foi divulgada e foi de robustos 3,9%. O consumo continua relativamente saudável, ao redor de 3%. O salto das exportações, com a redução de 15% no déficit comercial americano em três meses, acrescentou um ponto percentual de crescimento, uma fatia idêntica à subtraída pelo encolhimento dos gastos com a construção, calcula a "BusinessWeek". O setor de serviços exibiu em outubro desempenho melhor que o esperado, assim como o mercado de empregos. Os estragos são localizados e deverão continuar assim se a desconfiança não se generalizar pelo mercado de crédito.

Há perspectiva, a partir de agora, de um encolhimento mais forte das atividades econômicas, motivado por uma possível redução dos investimentos, acentuação da crise no setor de imóveis e pelos efeitos de um preço do petróleo na casa dos US$ 100. Os lucros das empresas, excluindo bancos e companhias do setor de construção, cresceu 8% no terceiro trimestre, mas o grau de confiança dos empresários diminuiu e deve afetar as inversões no curto prazo.

A perspectiva de um crescimento menor nos EUA, acompanhada de redução nos juros, empurrou o dólar para baixo diante das moedas fortes, ampliando a competitividade das exportações americanas. Esse fator natural de correção traz, porém, novos riscos, como o da sempre prevista e nunca ocorrida fuga para outras moedas por parte dos investidores. Com a busca de maior segurança, o rendimento real dos títulos do Tesouro americano caiu a praticamente zero. Os investidores voltaram a procurar os países emergentes, o que contribui para o recuo do dólar em vários países, sobretudo no Brasil.

A correção do enorme desequilíbrio das contas externas dos EUA ganhou ímpeto e tende, à medida que o déficit comercial se reduzir, a estancar a desvalorização do dólar. O temor, que já agita os mercados, é de uma correção desordenada, como pode sugerir também deslocamento de recursos para o petróleo e o ouro - ambos com cotações recordes.

A desconfiança sobre a solidez do dólar torna ineficaz a busca de segurança de investidores de fora dos EUA nos títulos do Tesouro e nos ativos americanos. Uma fuga desses ativos, caso ocorra, trará uma elevação dos juros nos EUA, um movimento contrário ao que até agora foi usado para acalmar intranqüilos mercados e evitar uma forte desaceleração. É possível que antes disso haja intervenção coordenada dos BCs, como no caso da crise de liquidez de setembro. O que parece certo é que subiram os riscos de que o nervosismo que sacode os mercados financeiros tumultuem a economia mundial, que vem de anos exuberantes. E provável pressão inflacionária da alta do petróleo aponta na mesma direção.