Título: US$ 11 bi contra as desigualdades
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 17/01/2011, Economia, p. 10

Diretor do Banco Mundial para o Brasil defende investimentos em infraestrutura para melhorar a qualidade de vida no país Com uma carteira de projetos em curso no Brasil que somam US$ 11 bilhões, o Banco Mundial (Bird) quer que os seus investimentos resultem na redução das desigualdades no país. Para atingir esse objetivo, o organismo multilateral aposta que os aportes destinados à infraestrutura são o melhor caminho. Diretor do Bird para o Brasil, Makhtar Diop ressalta que a atual fase de crescimento econômico reforçou a necessidade de superação de gargalos históricos, que limitam outros avanços na qualidade de vida da população. ¿O Brasil terá papel ainda mais importante no futuro do banco, como vitrine de boas práticas voltadas à redução de desigualdades¿, disse em entrevista exclusiva ao Correio.

Para desembolsar os recursos previstos para o Brasil, no entanto, o Banco Mundial vai exigir contrapartidas dos governos federal e estaduais. A instituição trabalha para ampliar parcerias, mas exigirá dos gestores públicos eficiência nos gastos, com a adoção de estratégias fiscais e administrativas como forma de recuperar a capacidade de investimentos estatais.

Makhtar Diop está conversando com ministros e governadores para elaborar o plano estratégico do próximo ano fiscal (2011-2012), que começa em julho, e adianta que os próximos alvos devem ser agilizar e aperfeiçoar os gastos dos orçamentos de estados e da União. Nesse sentido, Diop considera inevitável também criar condições institucionais para ampliar o investimento privado em concessões públicas de infraestrutura. ¿Não há outra saída. As necessidades do país nas áreas de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias é grande demais para se escolher fontes exclusivas de investimento¿, sublinhou.

Ex-ministro da Fazenda do Senegal, seu país natal, e chefe da representação local do Bird, com sede em Brasília, desde janeiro de 2009, Diop ainda critica a polêmica em torno de um eventual processo de privatização da infraestrutura. ¿O debate em torno da privatização é um falso debate¿, afirmou. O executivo destaca o novo papel internacional do Brasil, que deixou de ser alvo do socorro financeiro para ser doador de recursos a nações pobres. Mas ressalta que os avanços conquistados ao longo da última década na melhoria de renda e na mobilidade social só revelam o ainda gigantesco desafio de superar as desigualdades sociais.

Qual é a posição do Brasil nos atuais investimentos do Bird? O Brasil é o segundo na carteira de investimentos do Grupo Banco Mundial, dedicada prioritariamente a nações de renda média. O país cedeu a liderança ao México em 2009, durante a crise econômica mundial, por não mais requerer nossos recursos de socorro financeiro, representados pela AID (da sigla em inglês de Associação para o Desenvolvimento Internacional). Por esse critério, o Brasil está à frente da China. O AID passou a contemplar mais o México, prejudicado pela maior integração com a economia dos Estados Unidos, e o Brasil reforçou, por sua vez, a posição de destaque em projetos voltados a resultados duradouros, diferentes das situações de emergência.

Os projetos tocados no Brasil têm, então, uma visão de mais longo prazo? Sim. O país superou a crise financeira graças a ações do Ministério da Fazenda, empregando medidas anticíclicas e aproveitando as elevadas reservas cambiais. Com o quadro adverso deixado para trás, o governo avisa, agora, que fará ajustes em seus gastos visando voltar aos superavits estáveis. Estamos atentos a esse discurso e às iniciativas da presidente Dilma Rousseff, como a de nomear uma comissão para avaliar os gastos públicos. Neste sentido, ressaltamos o lançamento este ano de parcerias para aperfeiçoar a gestão de hospitais universitários, apoiar projetos dos ministério dos Transportes e de Minas e Energia, subsidiar o programa habitacional do governo fluminense para moradores em áreas de risco e ainda apoiar um plano de reestruturação do governo baiano.

Quais áreas do setor público o senhor considera mais fragilizadas? Além de atuar onde o governo investe pouco, caso da infraestrutura, achamos que é preciso melhorar onde ele gasta muito, como saúde e educação. Os consideráveis avanços na universalização dos serviços contrastam com o desafio da qualidade. A educação, por exemplo, é uma das áreas onde há grande oscilação de indicadores entre estados e cidades, sobretudo na qualificação de professores. Mais do que financiamento, atuamos no sentido de apoiar transferencias de conhecimento entre governos e fortalecer a colaboração técnica, como já conseguimos no Sistema Único de Saúde. Ressalto ainda que também há um abismo entre o nível de tecnologia e competitividade das empresas pequenas e médias em comparação às grandes multinacionais brasileiras, como Petrobras, Vale e Embraer. Queremos apoiar o desenvolvimento empresarial por inteiro.

Qual o peso dos estados no esforço do banco para aprimorar a gestão pública? É um peso crescente naquilo que chamamos de gestão pública de resultados. A maior parte de nossos projetos no país, 70%, foi firmada com governos estaduais e voltada à reestruturação administrativa e fiscal. O restante é com a União. Há sete anos, a proporção entre projetos federais e estaduais era inversa. Temos uma parceria mais antiga e consolidada com o governo de Minas Gerais, com excelentes resultados e que foi replicada noutros estados, como Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Ficamos felizes em assistir, agora, o governo fluminense alcançar o grau de investimento (nota máxima atribuída por agências de risco). Os demais projetos envolvendo a União se dedicam à busca por competitividade do país, sobretudo na infraestrutura. Acreditamos que o Brasil continuará sendo vitrine de nossos projetos, com desempenhos decisivos para o futuro do banco.

Em que o novo cenário econômico internacional influenciou na visão do banco sobre o Brasil? O papel internacional do Brasil mudou sensivelmente na última década, graças à sua ação generosa em favor de nações mais pobres, compartilhando ganhos do desenvolvimento. Reconhecemos a forte liderança brasileira na cooperação entre países do Hemisfério Sul e agradecemos o gesto do Brasil de fazer a primeira doação (US$ 55 milhões) ao nosso fundo para socorrer o Haiti, em 2010. É também interessante constatar que o Bolsa Família se tornou modelo, levando colegas do Bird de outros países, como a Índia, a visitarem nosso escritório de Brasília em busca de informações. Apoiamos o programa desde o início, particularmente, focados na melhoria da avaliação de resultados e no monitoramento da operação. Nosso apoio ao intercâmbio de boas experiências chega ao setor produtivo, como a atuação da Embrapa na África, aproveitando semelhanças entre agriculturas irrigadas do cerrado e da savana.

O que o Bird considera como mais crucial para o Brasil continuar avançando? A mensagem mais forte que o Banco Mundial faz hoje ao Brasil é a da necessidade urgente de mais investimentos em infraestrutura, como forma de sustentar o crescimento econômico e até mesmo reduzir o nível ainda elevado de desigualdade social. A expressiva melhora das condições de renda da população nos últimos anos serviu para confirmar o longo caminho a ser percorrido. As carências em infraestrutura de transportes são uma característica brasileira, bem mais grave do que a de outros países emergentes. Pela dimensão de suas necessidades, os recursos investidos em infraestrutura, tanto públicos quanto privados, são insuficientes. O setor público precisa conseguir espaços no orçamento para investir mais e ainda criar ambiente regulatório favorável ao investimento privado em saneamento básico, por exemplo. Por isso, consideramos o debate em torno da privatização da infraestrutura um falso debate. Os gargalos em portos, aeroportos, rodovias e ferrovias são grandes demais para se escolherem fontes exclusivas de investimento. Não há outra opção. Indefinições só elevam o risco de não se chegar a lugar nenhum no campo da competitividade. Além do mais, conceder não é privatizar.

A Copa do Mundo e a Olimpíada podem ajudar o país a superar a saturação dos aeroportos? O caos nos aeroportos reflete o crescimento acelerado da procura pelo transporte aéreo, ampliada pelo ingresso nesse mercado dos consumidores da chamada Classe C nos últimos três anos. Na avaliação do Bird, a Copa do Mundo de 2014 e as Olímpiadas de 2016 não são os principais desafios à infraestrutura aeroportuária. O mais importante é viabilizar investimentos públicos e privados, como sinalizou a presidente Dilma, ao propor fazer concessões públicas de aeroportos. Trabalhamos com horizonte de longo prazo e achamos que, se o setor tivesse seguido antes planejamento de investimentos, talvez não tivesse sofrido com os atuais gargalos e ainda supriria antecipadamente a demanda futura dos grandes eventos esportivos. Os investimentos agora são só para recuperar o tempo perdido.

Quais dados o senhor está avaliando na revisão em curso do plano estratégico do banco no país? Estou iniciando conversas com ministros e governadores para saber de suas prioridades e elaborar nosso plano estratégico para o Brasil no próximo ano fiscal, que começa em julho. Já fui procurado por dois recém-eleitos, interessados em adotar estratégias fiscais para recuperar a capacidade de seus estados investirem. Com o governo federal deveremos continuar projetos de apoio à regularização ambiental de investimentos, como os acordos que celebramos com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O atual ano fiscal tem orçamento previsto de US$ 5 bilhões, tendo executado US$ 2 bilhões em 2010, restando outros US$ 3 bilhões para este ano. Em todo o ano de 2010, desembolsamos US$ 3,7 bilhões, dentro de uma carteira de longo prazo de US$ 11 bilhões.