Título: Por que os preços de energia elétrica estão subindo?
Autor: Barbosa, Paulo Sérgio Franco
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2007, Opinião, p. A12

Participei em 2005 de um minicurso sobre comercialização de energia em Nova Iorque em que o professor lançou uma pergunta em tom provocativo à classe: "Por que os preços de energia sobem?" Reunindo profissionais de mercado e acadêmicos, as respostas foram as mais variadas, incluindo terminologia técnica e citação de modelos matemáticos muito elaborados para encontrar uma boa explicação. Ao final da sessão de respostas e debate, o professor lamentou que ninguém tivesse mencionado a resposta mais simples: os preços sobem porque existem mais agentes com disposição a comprar do que querendo vender.

Será que esta resposta simples poderia explicar as oscilações recentes do preço de energia no setor elétrico brasileiro, com tendência de alta? Sim, mas apenas em parte. No atual modelo do setor elétrico do país, que apresenta uma certa característica flex (parte regulada - ACR e parte livre - ACL), a formação de preços tem uma dinâmica muito mais complexa, que desafia profissionais experientes e acadêmicos em qualquer tentativa de previsão para apenas alguns meses adiante.

No ambiente de livre contratação (ACL) tem havido grande interesse dos compradores em contratos com horizonte de dois anos ou mais, para os quais não há atendimento dessa demanda, senão algumas poucas propostas a preços excessivamente altos, superando o patamar de R$ 120/MWh. Depois de conviver por cerca de quatro anos sob um ciclo de preços muito vantajosos em relação à tarifa regulada, os consumidores livres se defrontam com a perspectiva de um cenário oposto, de progressiva elevação de preços para os próximos anos. Tal perspectiva tem fundamentação em elementos bastante sólidos, dentre outros: a) a referência dos preços crescentes de fechamento dos leilões de energia nova realizados desde 2005; b) as dificuldades para viabilização das novas usinas; c) as restrições do suprimento de gás natural. Esses mesmos fatores também terão impacto futuro nas tarifas reguladas.

Além desses aspectos, a referência de preço do mercado à vista (Preço de Liquidação de Diferenças - PLD) publicada semanalmente pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) tem trazido fortes apreensões aos consumidores e demais agentes do setor, especialmente por ter superado a barreira de R$ 100/MWh em semanas consecutivas recentes para todos submercados, com exceção do Sul. O PLD semanal é calculado pela CCEE tomando o Custo Marginal de Operação, definido pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) com base em modelos computacionais (newave/decomp) onde reside, em última análise, a origem da variabilidade de preços, muitas vezes sem aparente razão específica. Embora aplicável pela CCEE somente para as diferenças contabilizadas entre o que foi consumido e o que estava contratado para cada agente consumidor, tal referência de preço forma a base para todos os cálculos de alternativas de contratação de energia elétrica, análise de riscos, e ainda, para a análise da viabilidade econômica de empreendimentos. Assim, o preço da contratação bilateral no ACL é também influenciado pelo PLD. Não é por acaso que os menores preços nos contratos bilaterais (ACL) ocorreram nos períodos de baixos valores de PLD (em 2004, por exemplo, o PLD no submercado do Sudeste/Centro-Oeste ficou em seu patamar mínimo-R$ 18,59/MWh em quase todos os meses). Em ciclos de PLD baixos algumas variações eram bem aceitáveis, mas no momento em que se vislumbra perspectiva de ciclo com preços altos a variabilidade traz apreensões, especialmente porque se soma às incertezas sobre o próprio suprimento energético pleno, tão debatido nos fóruns setoriais de energia e imprensa em geral.

-------------------------------------------------------------------------------- É imperativo que se faça uma profunda revisão no mecanismo de formação de preço de curto prazo (PLD) em uso pela CCEE --------------------------------------------------------------------------------

Além dos muitos esforços que reconhecidamente têm sido feitos pelos órgãos do governo e demais agente do setor para buscar a ampliação da oferta de energia, é imperativo que se faça uma profunda revisão no mecanismo de formação de preço do mercado à vista (PLD) em uso pela CCEE. Tal revisão é necessária para reduzir a intranqüilidade dos agentes em relação a esse elemento formador do preço. Poderia ser aproveitada a oportunidade para introduzir a formação de preços semanais por oferta dos agentes vendedores e compradores (leilões semanais), à semelhança do que se faz na grande maioria dos países onde houve reestruturação bem-sucedida do setor elétrico, incluindo alguns com grande presença de fonte hidroelétrica (Noruega, Canadá, Austrália, entre outros). Diferentemente do período anterior ao do novo modelo do setor elétrico, o atual momento é mais propício à orientação aqui sugerida, uma vez que: a) as bases conceituais e operativas do setor elétrico estão definidas de forma institucional muito mais sólida; b) a CCEE já reúne considerável experiência na sistemática de leilões de energia, que têm impacto econômico e financeiro muito maior que os leilões semanais sugeridos para a formação de preço no mercado à vista (PLD); c) os agentes compradores e vendedores já estão razoavelmente habituados aos mecanismos de leilões em energia elétrica, uma vez que esses vêm sendo praticados por empresas geradoras e comercializadoras mesmo fora do ACR; d) o nível de contratação das distribuidoras é de 100% até 2011 no ACR e, portanto, a expansão da oferta não depende das liquidações a se realizarem no mercado à vista (esse receio sempre foi colocado como crítica, legítima, ao modelo anterior - a incapacidade do mercado à vista para trazer incentivos à expansão da oferta).

Na verdade, a alta variabilidade do PLD que advém do mecanismo atual de formação de preço pode comprometer alguns objetivos assumidos no novo modelo, entre os quais a modicidade tarifária, pois os preços de contratação bilateral progressivamente maiores no ACL, parcialmente induzidos pelo atual mecanismo formador de preços do PLD, podem se traduzir em expectativas de preços ainda maiores nos leilões futuros para recontratação de energia do ACR. A própria precificação da energia sendo ofertada nos leilões acontecerá em níveis tanto maiores quanto maior for a variabilidade (risco) das receitas esperadas com os contratos, cuja valoração depende das oscilações do PLD.

Com base em comparações com países em que o preço PLD é formado por ofertas de venda e compra (leilões diários), pode-se constatar que esta variabilidade é amplificada no nosso mecanismo atual de formação de preços. Diante das maiores dimensões dos nossos reservatórios (maior inércia para variação), do intervalo de contabilização adotado na CCEE (valores médios semanais, em vez de horários) e da menor carga térmica do país (menor sensibilidade da carga às variações de temperatura), vislumbram-se fortes indícios de menores taxas de variabilidades do PLD no Brasil caso o mecanismo de leilões seja adotado para definir o PLD, comparativamente a outros países.

É no mínimo curioso observar que, mesmo tendo havido tantas mudanças ousadas, de grande profundidade conceitual e de forte impacto econômico-financeiro na fase de construção e implementação do novo modelo do setor elétrico brasileiro, a essência do mecanismo de formação de preço do mercado à vista tenha permanecido praticamente inalterada, apesar de freqüentemente estar mostrando sua inadequação nos últimos oito anos. Mesmo sob a perspectiva de elevação progressiva de preços de energia elétrica nos anos vindouros, o mercado à vista será formado com preços mais realistas e certamente menos voláteis se fosse implementado o mecanismo de leilões semanais. Isto poderá contribuir para mitigar ao menos um elemento que gera apreensões, assim permitindo que consumidores e agentes vendedores possam planejar suas atividades comerciais com um pouco mais de previsibilidade sobre a informação que é vital a qualquer atividade econômica - os preços. Nesta perspectiva, a lei mais simples e milenar que determina os preços, estabelecida com base na relação entre a oferta e a demanda, então poderá ser utilizada para explicar as variações de preço no setor de energia elétrica do país.

Paulo Sérgio Franco Barbosa é professor titular do Departamento. de Recursos Hídricos Faculdade de Engenharia Civil - UNICAMP, professor do programa de Pós-Graduação em Planejamento Energético-UNICAMP. Graduação, mestrado e doutorado pela USP, pós-doutorado em Pesquisa Operacional e Eng. Financeira-Princeton University. Email: franco@fec.unicamp.br