Título: Briga na Justiça paralisa gasoduto do PAC
Autor: Schüffner, Cláudia ; Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 02/10/2007, Brasil, p. A6

José Maurício de Barcellos, dono da fazenda em Pirangaí no traçado no gasoduto: "Por aqui ele não passa" Na pacata Pirangaí, distrito de Resende, na divisa do Rio com São Paulo, operários movimentam, morro acima e morro abaixo, retroescavadeiras, tratores de esteira e caminhonetes 4 x 4. Os homens trabalham, no Vale do Paraíba, em um pequeno trecho do gasoduto Campinas-Rio. Mas a obra avança com dificuldades, devido a ações movidas na Justiça por donos de terras, contra a Petrobras, que é a controladora do projeto. A briga com um dos proprietários, o advogado José Maurício de Barcellos arrasta-se há dois anos e impede a conclusão das obras.

Orçado em US$ 300 milhões quando do lançamento, em 2004, o Campinas-Rio é um dos 183 projetos da Petrobras no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Apesar de prioritário, o projeto vive situação inusitada. A principal disputa nos tribunais envolve a passagem do gasoduto pelas terras de Barcellos, dono de fazenda de 20 alqueires dedicada à produção de leite em Pirangaí. Barcellos acusa a Petrobras de cometer irregularidades na execução do gasoduto, argumentos todos questionados pela estatal.

Depois de algumas vitórias de Barcellos na Justiça impedindo a passagem do gasoduto pela propriedade, a Petrobras decidiu fazer um desvio no projeto, contornando as terras do advogado. Para isso, teve que refazer cerca de dois quilômetros, o que exigiu desenterrar parte do que já havia sido feito. Para tentar impedir a passagem do gasoduto, Barcellos estacionou um fusquinha na trajetória do desvio, pendurando no local faixas com os dizeres: "Fora traidores do Brasil. Gasoduto dado aos japoneses sem licitação. Aqui não passa!"

A Petrobras passou com o gasoduto por debaixo do Fusca dos anos 70, fazendo um furo horizontal que nem sequer mexeu no automóvel, que permanece até hoje no local cuidadosamente coberto com uma capa para protegê-lo da poeira.

O custo da variante, que aumentou o trajeto do duto em mais de um quilômetro, teria sido de R$ 16 milhões, cifra que a Petrobras desmente. A estatal não informou o custo do desvio e também não disse qual será o gasto adicional que deverá ter com a obra, em função de várias paralisações. Mas na relação dos projetos da Petrobras no PAC, a estatal informou, no início deste ano, que o Campinas-Rio exigiria investimentos totais de R$ 862,5 milhões.

A decisão da Petrobras de fazer o desvio, uma solução para sair do impasse e concluir o gasoduto, acirrou ainda mais os ânimos. Barcellos reclama que o gasoduto, mesmo depois da variante, invadiu a sua terra sem autorização. Barcellos se apóia em liminar concedida pelo juiz Flávio Pimentel de Lemos Filho, da 1ª Vara Cível do Fórum de Resende, que proibiu a Petrobras de passar com o Campinas-Rio pela propriedade.

Na sexta-feira passada, Lemos Filho determinou que a Petrobras paralise qualquer obra que passe pela propriedade de Barcellos, "retirando as que foram realizadas no prazo de 48 horas, sob pena de multa diária de R$ 100 mil". O juiz também enviou cópia da decisão ao Ministério Público pedindo que se apure "crime de desobediência".

Celso Luiz de Souza, gerente-geral de planejamento e implantação de logística de gás natural da Petrobras, responde: "Em nenhum momento a Petrobras invadiu (as terras de Barcellos) ou fez obra em área onde não houve acordo com os proprietários. A obra é totalmente regular e não desrespeitamos decisão judicial." O executivo informou que até o início da noite de ontem nem a Petrobras, nem as empresas contratadas para fazer a obra tinha sido notificadas da decisão judicial. O departamento jurídico da estatal aguarda a decisão do juiz para apresentar recurso.

Em denúncia anterior feita à Agência Nacional do Petróleo (ANP), Barcellos afirma ainda que o Campinas-Rio não pertence à Petrobras, mas a tradings japonesas. "Dizer que os ativos do Campinas-Rio são dos japoneses é uma falácia, para dizer o mínimo", rebate Celso Souza. A acusação de Barcellos baseia-se na complexa estrutura criada para financiar a construção do Campinas-Rio e outros gasodutos incluídos no projeto Malhas. A estatal valeu-se de financiamentos estruturados ("project finance"), também usados, no passado, pela estatal, para o desenvolver a produção de petróleo e gás, como no caso do campo de Marlin, na Bacia de Campos.

"Parei a obra e vou parar de novo enquanto tudo não for apurado e meus direitos respeitados. Por aqui o gasoduto não passa", diz Barcellos. Aposentado, ele trabalhou por 36 anos no serviço geológico brasileiro, a CPRM, ligada ao Ministério de Minas e Energia. No documento de 18 páginas encaminhado à ANP, Barcellos faz uma série de denúncias sobre o Campinas-Rio. Após análise, a ANP encaminhou as denúncias ao Ministério Público Federal, no Rio, ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza.

De forma paralela ao embate com Barcellos, a Petrobras entrou na Justiça de Resende com ação de desapropriação de uma faixa de terra na fazenda dos irmãos Telma e Arnaldo dos Santos, vizinhos à propriedade de Barcellos. A ação busca constituir uma faixa de servidão para a passagem do gasoduto. Mas os irmãos, que já haviam feito acordo com a Petrobras, tentam agora impedir a passagem do duto.

Apesar da confusão, a Petrobras espera concluir as obras ainda este ano. "Trabalhamos com um planejamento para terminar a obra em novembro", diz Souza. A estatal conta com a apresentação de recurso ao Tribunal Regional Federal da Segunda Região (TRF-2), pela Advocacia Geral da União (AGU), para conseguir desapropriar, nas terras de Telma e Arnaldo, a faixa de terra que falta para concluir o gasoduto.

A discussão nos tribunais sobre o Campinas-Rio começou em 2005 e, passados dois anos, faltam, oficialmente, 630 metros para juntar as duas partes do duto - a que sai de São Paulo com a que parte do Rio. Lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2004, o gasoduto Campinas-Rio é considerado estratégico para ampliar a oferta de gás no Sudeste e aumentar a segurança de suprimento do combustível para as termelétricas. De uma ponta a outra, da Refinaria de Paulínia até a estação de Japeri, em Volta Redonda , o gasoduto tem cerca de 500 quilômetros de extensão e passa por mais de 30 municípios nos dois Estados.

O projeto foi desenhado para ter capacidade de transportar 8,7 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural. Segundo Souza, um trecho do gasoduto, entre Campinas e Taubaté, em São Paulo, já está funcionando.

Fontes graduadas do setor vêem riscos de suprimento de gás para as térmicas do Sudeste a curto prazo e dizem que a demora na conclusão do gasoduto Campinas-Rio pode pressionar ainda mais a estatal e aumentar o poder de barganha de Barcellos.