Título: Créditos de PIS/Cofins e o Simples Nacional
Autor: Cordeiro ,Leonardo Lima
Fonte: Valor Econômico, 02/10/2007, Legislação & Tributos, p. E1

Desde 1º de julho de 2007, data de início da vigência da Lei Complementar nº 123, de 2006, que criou o Simples Nacional, as microempresas e empresas de pequeno porte fornecedoras de bens e serviços para empresas submetidas ao regime não-cumulativo das contribuições para o PIS e a Cofins vinham sentindo os pesados efeitos colaterais causados pelo novo regime tributário simplificado.

Com efeito, o artigo 23 da Lei Complementar nº 123 trouxe, em sua redação, a impossibilidade de empresas optantes pelo novo regime transmitirem créditos dos impostos e contribuições abarcados pelo Simples Nacional. Assim, de início prevaleceu a idéia de que as empresas adquirentes de mercadorias e serviços fornecidos por empresas optantes pelo sistema simplificado não poderiam creditar-se das contribuições para o PIS e a Cofins, causando-se uma grande distorção na cobrança dessas contribuições, com impactos absolutamente negativos para as micro e pequenas empresas e para a economia em geral.

Durante os três primeiros meses de vida do Simples Nacional, entidades representativas dos contribuintes, tributaristas e fisco não chegaram a um consenso sobre a validade da vedação dos créditos, muito em razão da própria redação do artigo 23 da Lei Complementar nº 123, que estabelecia vedação à transmissão de créditos dos impostos e contribuições abrangidos pelo novo sistema. Isto porque, diferentemente do ICMS, onde ocorre uma efetiva transmissão dos créditos do imposto cobrado nas operações anteriores para o adquirente, o regime não-cumulativo das contribuições para o PIS e a Cofins possui uma natureza distinta, que não se funda na transmissão de créditos.

Trazendo um breve exemplo de aplicação do regime não-cumulativo, no caso do ICMS, um produto que tenha sido tributado a 7% em sua saída do fornecedor vai gerar este exato percentual de crédito na entrada para o adquirente. Logo, para a finalidade de creditamento do ICMS, vale a carga tributária incidente na operação anterior.

Para o PIS e a Cofins, o sistema é diverso. Efetivamente, quando uma empresa submetida ao regime cumulativo das contribuições efetua uma venda (gerando, portanto, uma receita tributável pelo PIS e Cofins), essa venda será tributada à razão de 3,65%. Se o adquirente da mercadoria ou do serviço estiver submetido ao regime não-cumulativo das contribuições, ele terá direito ao crédito de PIS e Cofins nesta operação. Todavia, seu crédito será fundado não na carga tributária da operação anterior, mas sim na aplicação do percentual de 9,25% sobre o valor da aquisição, resultando, desta forma, em um crédito maior do que o débito gerado ao fornecedor na etapa anterior.

Percebe-se, com isto, que o regime não-cumulativo das contribuições para o PIS e a Cofins não comporta a transmissão de créditos, como no caso do ICMS. No caso das contribuições, os créditos serão calculados sempre à razão de 9,25%, independentemente do percentual de tributação pelas contribuições na etapa anterior, observadas, evidentemente, as vedações legais.

-------------------------------------------------------------------------------- A manifestação da Receita Federal mantém a lógica do próprio sistema não-cumulativo do PIS e da Cofins --------------------------------------------------------------------------------

O reforço desta tese - a inaplicabilidade do artigo 23 da Lei Complementar nº 123 aos créditos de PIS e Cofins - em relação ao Simples Nacional reside no fato de que, no antigo regime simplificado de recolhimento de tributos federais (o Simples federal), a Receita Federal reconhecia o direito aos créditos sem qualquer vedação.

Muito embora este raciocínio esteja esteado em fundamentada construção interpretativa, a realidade é que a Receita Federal do Brasil não adotou, a princípio, tal posicionamento. Seu entendimento foi o de confirmar a vedação emergida a partir do artigo 23 da legislação que criou o Simples Nacional, impossibilitando o aproveitamento de créditos de PIS e Cofins naquelas situações. Este posicionamento, inclusive, encontra-se formalizado na Solução de Consulta nº 360, publicada pela 8ª região fiscal em 8 de agosto de 2007.

Parecia, portanto, que caberia aos contribuintes socorrer-se ao Poder Judiciário para fazer valer seu direito de crédito. Entretanto, muitas empresas preferiram seguir o caminho mais seguro e menos oneroso de requerer descontos aos seus fornecedores ou, ainda, simplesmente substituí-los por outros que não estivessem enquadrados no Simples Nacional.

No entanto, em uma atitude surpreendentemente positiva, a Receita Federal resolveu rever seu posicionamento. No último dia 28 de setembro, o secretário da Receita Federal fez publicar o Ato Declaratório Interpretativo nº 15, de 26 de setembro de 2007, consignando o entendimento de que as empresas que se encontram no regime não-cumulativo das contribuições para o PIS e a Cofins poderão descontar créditos calculados em relação às aquisições de bens e serviços de pessoas jurídicas optantes pelo Simples Nacional.

A importante manifestação da Receita Federal vem afastar o retrocesso legislativo trazido por sua primeira interpretação, promovendo, deste modo, a manutenção da lógica do próprio sistema não-cumulativo do PIS e da Cofins e reafirmando a idéia do fomento à pequena empresa, razão primeira para a própria existência do Simples Nacional.

Por sua natureza interpretativa, o Ato Declaratório Interpretativo nº 15 possui efeito retroativo, já que, na visão da Receita Federal, a vedação legal nunca existiu. Logo, estão autorizadas as empresas que deixaram de valer-se de seus créditos a aproveitá-los extemporaneamente, retroagindo os efeitos da interpretação da Receita Federal para a data de 1º de julho de 2007.

Leonardo Lima Cordeiro é advogado da área tributária do escritório Kanamaru e Crescenti Advogados & Consultores

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