Título: Investidor já minimiza crise imobiliária
Autor: Reilly, David ; Sidel, Robin
Fonte: Valor Econômico, 02/10/2007, Finanças, p. C5

As bolsas americanas dispararam e atingiram recordes, a despeito de bilhões de dólares em baixas contábeis feitas por dois dos maiores bancos do mundo, o que sugere que os investidores já desconsideram os problemas que abalaram os pregões há poucas semanas.

O Dow Jones fechou a 14.087,55 pontos, subindo 191,92 pontos, ou 1,38%, e já acumula um ganho de quase 10% em seis semanas. O novo recorde suscita a questão sobre que tipo de calamidade seria preciso para abalar a confiança dos investidores, em meio ao aumento dos calotes de financiamentos imobiliários, o colapso de grandes aquisições de empresas, a queda livre do dólar e o crescente temor de recessão.

Na mais recente conseqüência dos problemas causados por créditos imobiliários subprime, de alto risco, o Citigroup anunciou ontem que vai ter uma despesa extraordinária de US$ 5,9 bilhões devido a baixas contábeis do valor de empréstimos corporativos e títulos atrelados a créditos imobiliários. O UBS fará baixas de US$ 3,41 bilhões. Os resultados parecem ter somente estimulado nos investidores a confiança de que os bancos estão superando seus problemas e que os prejuízos já estão no espelho retrovisor. As ações dos dois bancos subiram.

A premissa principal dos otimistas: o Federal Reserve está com a situação sob controle depois de ter socorrido o mercado no mês passado com um corte da taxa de juros de 0,5 ponto porcentual. Investidores otimistas acreditam que o Fed está pronto para reduzir os juros ainda mais, o que por sua vez pode fazer com que o mercado imobiliário se estabilize, ao permitir que tomadores no mercado subprime refinanciem dívidas em condições mais razoáveis. Juros mais baixos também podem aliviar os mercados de crédito e permitir a volta das aquisições.

"Os investidores estão satisfeitos de ver as empresas do setor financeiro admitindo e aceitando grandes perdas pelos prejuízos em que incorreram", disse Ed Yardeni, presidente da Yardeni Research . "Isso tudo faz sentido se não houver mais um monte de baixas contábeis grandes, ruins, mais adiante."

Isso não é nada garantido, como sugere a história recente da bolha de tecnologia. Em vários pontos da derrocada de empresas de telecomunicações e tecnologia cujas ações haviam subido muito, investidores se agarraram a teorias esperançosas para argumentar que a crise havia passado. Em vez disso, a tendência de baixa das bolsas iniciada no começo da década durou dois anos e meio, e várias fortes altas se reverteram. O verdadeiro desenlace aconteceu depois que empresas concluíram penosas rodadas de redução de dívidas e redirecionamento dos negócios. Várias quebraram.

Em dezembro de 2000, o diretor-presidente da Nortel Networks disse que o quadro para o próximo ano parecia radiante, mas meses depois a empresa divulgou um prejuízo de US$ 3,6 bilhões e cortou 20 mil vagas. Desde seu pico até o fim da queda, a ação da empresa caiu 97%. Em julho de 2002, a presidente da Lucent Technologies, Patricia Russo, disse: "Tivemos um pico recorde, e agora um vale recorde. Mas esperamos que o mercado se estabilize." A empresa emitiu outro alerta dois meses depois.

Nos próximos 12 meses, quase US$ 480 bilhões em dívidas hipotecárias estão para ser reajustadas, em geral a juros bem mais altos, de acordo com a Economy.com, da Moody's. Dessas hipotecas, cerca de 55%, ou US$ 260 bilhões, são empréstimos dados a tomadores subprime.

Se mais hipotecas gorarem, isso pode obrigar os bancos e outras instituições financeiras a fazer várias baixas do valor de títulos atrelados a elas. Isso pode abalar ainda mais os mercados de crédito, e afetar as bolsas. Instituições financeiras representam 30% dos lucros das empresas integrantes do índice de 500 ações da Standard & Poor's.

"Acho que vamos ver esse constante fluxo de baques daqui para frente, espalhados no decorrer de múltiplos trimestres", disse Bill Laggner, um sócio do fundo de hedge Bearing Fund LP, que tem apostado contra instituições financeiras e outras ações envolvidas no mercado imobiliário.

"Muita gente acha que não importa o que acontece, que o Fed vai correr e descobrir uma maneira de salvar algumas dessas instituições maiores e vários ativos que elas possuem", disse Laggner. "Mas eu não vejo como pode haver mercado para muitos desses papéis durante muito, muito tempo."

Por ora, os otimistas estão ganhando a argumentação. Eles se agarraram a comentários do ex-presidente do Fed Alan Greenspan em Londres. Ele disse que há sinais de que a crise de crédito pode estar chegando ao fim. O fechamento da bolsa até o antigo recorde, de 19 de julho. Até mesmo construtoras, cujo setor está no coração da crise, tiveram um dia bom, depois que um analista influente argumentou que os fundamentos do setor "nunca estiveram pior" e que por isso as ações estão prestes a se recuperar.