Título: Congresso pode rever decisão do STF
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 03/10/2007, Política, p. A10

O Supremo Tribunal Federal (STF) corre o risco de sua decisão sobre a fidelidade partidária, que será tomada hoje, a partir das 14h, ser alterada, depois, pelo Congresso. A expectativa inicial é que o STF indique que os mandatos são dos partidos políticos, e não dos eleitos. Com isso, o parlamentar que trocar de partido ficará sem mandato.

Se seguir essa linha, a mesma do Tribunal Superior Eleitoral em decisão anterior, o STF deverá realizar, em seguida, um amplo debate sobre a partir de quando iria valer essa determinação: para a atual ou para a próxima legislatura. Independentemente de essa expectativa se confirmar ou não, parlamentares que se sentirem contrariados com o Supremo poderão propor projeto de lei para alterar a decisão do tribunal.

O STF mantém uma relação formal de cordialidade com o Congresso, mas ambos, situados na cúpula de seus respectivos Poderes - Judiciário e Legislativo - não se eximem de críticas mútuas quando matérias de alta repercussão política estão em jogo. O Supremo tem sido um crítico duro da classe política. Em suas últimas decisões, o tribunal derrubou a cláusula de barreira, garantiu o direito de a minoria abrir CPI, transformou os 40 indiciados do mensalão em réus e, agora, acena com a possibilidade de dar os mandatos aos partidos políticos, punindo o troca-troca partidário. Mas, no Congresso, há a possibilidade de a fidelidade partidária entrar na reforma política. O assunto seria votado pelos parlamentares depois de o STF se manifestar: uma espécie de resposta à decisão do tribunal.

Não seria a primeira vez que o Congresso responde ao Supremo. Em dezembro passado, o STF derrubou a cláusula de barreira - medida que restringia o funcionamento parlamentar de partidos que não alcançassem 5% dos votos válidos para deputado federal em todo o país e 2% dos votos em pelo menos nove Estados. A lei que estabeleceu a cláusula era de 1995 (Lei nº 9.096) e o STF derrubou a medida nas vésperas de sua implementação (a partir de 2007). Em fevereiro passado, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou proposta de emenda à Constituição instituindo novamente a cláusula. Os senadores recolocarm a questão, dentro da reforma política. Foi um alerta à Corte. O STF derrubou a medida que favorecia os grandes partidos e estes recolocaram o assunto em votação.

Os grandes partidos também se mobilizaram contra a verticalização, pela qual as alianças para presidente tinham que se repetir nos Estados. Em junho de 2006, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu pela verticalização, por 6 votos a 1. Mas, a resposta da classe política foi dura. Praticamente, todos os presidentes de grandes partidos protestaram. O resultado foi que o TSE resolveu flexibilizar a regra da verticalização, dois dias depois, e num placar e oposto, de 7 votos a zero, permitiu aos partidos que não tinham candidato a presidente a realização de alianças livres nos Estados.

O julgamento da verticalização no TSE marcou o início de um debate na cúpula do Judiciário sobre a necessidade de fortalecer os partidos políticos. Ministros que dividem a sua atuação entre o TSE e o STF defenderam alterações nas regras atuais no sentido de dar maior poder às agremiações partidárias e punir os parlamentares "infiéis". Após a reviravolta no TSE, o presidente da Corte, Marco Aurélio Mello, lamentou o fato de os partidos não defenderem a verticalização. "A verticalização exigiria programas definidos em todo o território nacional. Seria o fortalecimento dos partidos políticos", disse Marco Aurélio, que votará, hoje, a fidelidade partidária.

Já no julgamento da cláusula de barreira, os ministros concluíram, por unanimidade, que não se poderia impor a todos os parlamentares uma "ditadura da maioria". A cláusula daria total preponderância aos partidos grandes no Congresso, deixando os pequenos à margem das grandes questões. "É uma cláusula de caveira", disse, na época, o ministro Carlos Ayres Britto, que também atua no TSE, alertando para a "morte" dos pequenos partidos.

Agora, o Supremo julgará a fidelidade, depois de três ministros da Corte (Marco Aurélio, Britto e Cezar Peluso) terem se manifestado a favor da concessão dos mandatos aos partidos em votação realizada em março passado. O ministro Celso de Mello, já votou contra o troca-troca em 1989, quando o tribunal analisou se um suplente de parlamentar poderia assumir o mandato do titular que abandonou o partido. E o ministro Gilmar Mendes criticou o troca-troca durante a votação da cláusula de barreira, reiterando que essa prática "é uma clara violação à vontade do eleitor". Seriam, então, cinco votos em onze. Faltaria um para a maioria.

Ontem, o ministro Ricardo Lewandowski elogiou o trabalho do relator do processo sobre a fidelidade partidária no TSE, o ministro César Asfor Rocha. Rocha fez um amplo relatório mostrando o impacto do troca-troca no Congresso - foram mais de 55 trocas depois das eleições de outubro de 2006 - e pediu um basta a essa prática. Ganhou a tese numa onda recente nos tribunais superiores de seguir os apelos da opinião pública por moralização na política. Lewandowski disse que o relatório está muito bom, mas despistou ao ser questionado se seguirá Rocha: fez uma comparação com teses acadêmicas, muito boas, mas que não necessariamente se concorda com elas.

A tendência inicial pode se inverter por causa do parecer do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, taxando de autoritária a concessão dos mandatos aos partidos. Para ele, a medida fará com que o processo eleitoral se torne refém das lideranças partidárias