Título: Um diagnóstico da migração interpartidária na Câmara
Autor: Roma , Celso
Fonte: Valor Econômico, 03/10/2007, Opinião, p. A14

A 53ª legislatura da Câmara dos Deputados, de 1º de fevereiro a 27 de setembro, registra 34 deputados que mudaram sua filiação partidária durante o exercício do mandato. Alguns deles desertaram mais de uma vez, totalizando 42 movimentos de uma legenda à outra. Esses números, que já são altos, ainda podem aumentar até a próxima sexta, quando encerrará, conforme as regras atuais, o prazo de filiação partidária para os candidatáveis a cargos eleitorais aos pleitos municipais de 2008 que desejam concorrer por um partido diferente daquele a que pertencem atualmente. Mesmo que esses números sejam alterados nos próximos dias, o cenário atual cristaliza as tendências de subida do número de deputados que abandonam o seu partido e de aumento do tamanho das bancadas que integram a base de apoio ao governo.

A tabela contabiliza a movimentação de deputados entre os partidos ao longo dos últimos oito meses. Nela, a coluna "origem" informa a legenda da qual os migrantes saíram e a linha "destino", a legenda na qual eles entraram. De um lado, o PTB lidera a lista de partidos com deserções em seus quadros: sete. Logo depois vêm o DEM e o PPS, cada um com seis, seguidos pelo PSDB, com cinco, e pelo PSC, com três. PDT, PR e PTC registraram, cada um, dois deputados que se desfiliaram; PAN, PV, PT, PSB, PP e PMDB, apenas um. De outro lado, o PR pode ser considerado como o partido mais atrativo pelos emigrantes, arregimentando 13 deles para as suas fileiras. Praticamente um terço dos migrantes tomou esse partido como destino. Bem menos almejados pelos desertores, o PMDB recebeu seis; o PSC, cinco; o PAN, quatro; o PRB, três; o PSB, dois; o PT, o PSDB, o PV, o PDT e o PP, um cada. Nem um migrante se filiou ao DEM.

Nesta legislatura da Câmara dos Deputados, a cifra de mudanças de partido é alta se comparada àquela verificada, para o mesmo período, nos anos anteriores. O primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva destaca-se pelo recorde, em relação aos últimos quinze anos, de registros de migrantes e de movimentos entre os partidos. As legendas do bloco governista continuam a se beneficiar da infidelidade dos deputados, na medida que elas conseguem, em razão disto, aumentar substancialmente o tamanho de suas bancadas. Somados, PR e PMDB capitalizaram, por enquanto, 19 deputados, ou seja, mais da metade do total de migrantes. Em contraste, os principais partidos de oposição - DEM, PSDB e PPS - não conseguiram manter a estabilidade de seus quadros de filiados. Juntos, eles perderam, até agora, 17 deputados. A maioria deles ingressou em partidos governistas, como o PMDB e, sobretudo, o PR. A sigla partidária que encabeça o governo federal - o PT - não se beneficiou diretamente desse processo, perdeu um deputado e ganhou outro.

-------------------------------------------------------------------------------- No primeiro mandato de Lula, parlamentares bateram o recorde dos últimos quinze anos de mudanças de legenda --------------------------------------------------------------------------------

O Projeto de Lei Complementar n° 35/2007, aprovado pela Câmara e em trâmite no Senado, pretende mudar essa situação ao instituir a fidelidade partidária. Entretanto, mesmo que seja aprovada na íntegra pelo Congresso Nacional, essa proposta pode não produzir o efeito desejado por seus autores ou defensores. Em primeiro lugar, a redação ambígua do texto permite diferentes leituras e certamente estará sujeita ao crivo do Poder Judiciário - em última instância, à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em um dos entendimentos possíveis do referido projeto, os mandatários do Poder Legislativo e do Poder Executivo teriam à sua disposição uma série de subterfúgios para trocar de partido sem sofrer penalidades. As mudanças de filiação estariam formalmente autorizadas durante o trigésimo sexto mês posterior à tomada de posse, ajustando-se, desse modo, à conveniência dos mandatários que optem por participar da eleição municipal subseqüente. Se julgarem oportuno, parlamentares poderão utilizar o mês de setembro do ano anterior ao pleito local para trocar de partido em busca de uma outra legenda para disputar o cargo de prefeito da capital do seu Estado. Detentores de cargo eletivo também poderão se desligar da sigla partidária que os elegeu, alegando que o seu caso constitui desvio da regra. As exceções previstas nessa matéria legislativa envolvem desde elementos objetivos, como a criação de um novo partido político, até elementos altamente subjetivos e de difícil caracterização, como a perseguição política dos eleitos por parte dos seus correligionários e a discordância dos mandatários com relação ao cumprimento do estatuto e programa registrados por seu partido de filiação na Justiça Eleitoral.

Ao fim e ao cabo, a vigência desse projeto de lei dificilmente irá pôr fim à infidelidade partidária. Os deputados aprovaram - e os senadores estão apreciando - uma matéria que autoriza aos detentores de cargos eletivos a mudarem sua filiação partidária em período definido e aponta os caminhos através dos quais eles podem contornar a lealdade partidária em outros momentos. A deserção partidária poderá persistir na próxima legislatura, de modo menos intenso, mas tão problemático como atualmente.

Celso Roma é é doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo - USP. Atualmente participa do Grupo de Formação de Quadros Profissionais do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - CEBRAP.