Título: Boechat ,Yan
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/10/2007, Empresas, p. B1

A fabricante francesa de trens e equipamentos para ferrovias Alstom deu início ontem ao que considera ser a retomada nas operações do mercado brasileiro ferroviário de passageiros. A companhia, que perdeu recentemente a disputa para fornecer os carros e equipamentos para a linha 4 do Metrô de São Paulo, entregou ontem mesmo sua proposta na licitação para fornecer 40 novos trem à CPTM e mais de 100 vagões para aumento da frota do metrô paulistano. Se vencer, a Alstom vai ampliar sua carteira de contratos no Brasil em mais de 600 milhões de euros.

"Essa licitação pode ser uma retomada nas operações voltadas para o mercado interno brasileiro, onde, por falta de investimento público, não temos atuado da forma como gostaríamos", disse Geraldo Hertz, diretor comercial e de marketing para a Península Ibérica, Norte da África e América do Sul. "Será uma disputa acirrada, mas esperamos vencê-la."

É verdade que os investimentos públicos no setor ferroviário voltado para o transporte de passageiros têm sido escassos nos últimos anos, mas a companhia francesa também não vem obtendo sucesso nas disputas em que participa no país. O fornecimento de trens e equipamentos de controle e sinalização para a linha 4 de São Paulo foi a última derrota. A companhia perdeu a disputa por um consórcio liderado pela alemã Siemens. Mas o que realmente fez diferença na briga não foi a comprovada eficiência tecnológica germânica. Foram os trens da coreana Rotem que desequilibraram a disputa.

Baseada em Seul, a Rotem já havia vencido a Alstom em um dos últimos grandes contratos no país, realizado pelo governo do Rio de Janeiro para a concessionária carioca Supervia, há cerca de três anos. O grande diferencial da empresa asiática não foi exatamente o design, a qualidade ou a tecnologia usada nos vagões. "O preço deles foi extremamente baixo nos dois casos", diz Hertz, sem falar em números. "Pelos valores apresentados por eles, o negócio não nos interessava", afirma o executivo.

A Alstom ainda é a líder no mercado mundial de transporte ferroviário. Hoje, detém cerca de 15,4% do mercado e é seguida de perto pela canadense Bombardier, com 15,2%, e a Siemens, com 13,18%. Considerando que boa parte das instalações da Bombardier ficam na França, é possível afirmar, principalmente no mercado de transporte de passageiros, que a liderança ainda está com os europeus. Mas a concorrência externa está crescendo na mesma velocidade dos tão afamados TGVs, a principal fonte de orgulho da Alstom.

A vitória da japonesa Hitachi na licitação para fornecimento de trens de alta velocidade em uma linha ligando o Eurotunel a Londres este ano acendeu a luz amarela nas empresas européias. Essa foi a primeira vez que uma companhia asiática entrou em um mercado historicamente dominado pelas empresas locais. "O mercado mudou de forma drástica nesses últimos 10 anos", afirma o delegado geral da Federação das Indústrias Ferroviárias Francesas (FIF), Jean-Pierre Audoux. "Antes éramos nós, os europeus, e os americanos", diz ele. "Agora os fabricantes asiáticos estão chegando com preços baixos e soluções eficientes, a concorrência se tornou global."

A questão enfrentada pela Alstom, que vem se recuperando de uma forte crise financeira que exigiu intervenção do governo francês há cerca de quatro anos, e das demais empresas européias é encontrar um equilíbrio entre qualidade dos produtos e preços. A tarefa, como mostram os exemplos da Hitachi na Inglaterra e da Rotem no Brasil, não é simples. "A europa é líder em tecnologia, precisa explorar produtos com maior valor agregado, como o TGV, mas não pode se esquecer que preço é fundamental", diz o delegado da FIF.

Essa questão tem sido fundamental no desempenho da unidade brasileira. Com poucos investimentos públicos no transporte ferroviário e a forte concorrência dos coreanos, a unidade localizada no bairro da Lapa, em São Paulo, tem produzido primordialmente para exportação. É lá que são fabricados os trens para o metro de Santiago no Chile e as partes básicas dos novos trens do metro de Nova York. Hoje, cerca de 70% do faturamento de 100 milhões de euros da unidade brasileira vêm do mercado externo.

Não era isso que a Alstom esperava quando iniciou a produção no Brasil, há cerca de uma década. "Aquela unidade foi criada para atender primordialmente o mercado interno", diz Hertz. "Mas por questões conjunturais isso não vem acontecendo.", E não foi só isso que saiu fora do planejado.

A estrutura da Alstom no Brasil foi desenhada para obter um faturamento de cerca de 250 milhões de euros ao ano. Hoje não produz nem a metade disso. E com o dólar despencando no Brasil, aliado ao fato de não conquistar novos contratos no mercado interno, corre o risco de ver esse faturamento diminuir ainda mais. "A questão do câmbio tira nossa competitividade nas exportações, isso é um fato concreto", diz o executivo da Alstom.

É por isso que as propostas entregues ontem são vistas como uma real possibilidade de retomada das atividades no mercado interno brasileiro. A encomenda para a CPTM é a mais vultosa. São 40 trens de oito vagões, o que perfaz um total de 320 unidades. Apesar de não comentar os valores, Hertz acredita que esse contrato deva girar próximo à casa dos 450 milhões de euros. "É sem dúvida uma licitação importante, todos vão participar."

No caso do metrô, serão 102 carros para as linhas 1 e 3 e o contrato deve ficar na casa dos 150 milhões de euros. No dia 18, abre-se nova oportunidade para a Alstom voltar ao mercado brasileiro. O Metrô começa a receber propostas para os contratos de sinalização.

A Alstom espera que com isso, e novas oportunidades, como o trem ligando São Paulo a Guarulhos, consiga voltar ao projeto original da fábrica brasileira. "Queremos ter dois terços da produção voltada para o mercado interno", diz Hertz. Com as promessas de novos investimentos públicos no setor, há chances de a Alstom atingir essa meta. Mas vai precisar, antes de tudo, encarar uma briga acirrada com seus concorrentes, sejam eles asiáticos ou europeus

O repórter viajou a convite da Agência Internacional de Desenvolvimento de Negócios da França - Ubifrance