Título: Juízes aprofundam debate com EUA
Autor: Valenti, Graziell ; Campassi ,Roberta
Fonte: Valor Econômico, 03/10/2007, Empresas, p. B2

Na semana passada, esteve no Brasil um americano famoso. Nada de celebridades exuberantes de Hollywood. Ao contrário. Robert Drain, discreto juiz da maior vara de falências do mundo, em Nova York, participou de um debate com juízes brasileiros, a respeito das legislações nacional e americana sobre recuperação de empresas em dificuldades financeiras. Drain ganhou notoriedade no país depois de emitir seis decisões relacionadas ao caso Varig - e ficou corado ao saber de seu reconhecimento.

Drain não veio sozinho. Integrou um grupo com dez juízes americanos de varas de recuperação, trazidos pelo Instituto Brasileiro de Gestão e Turnaround (IBGT), para discutir com juízes brasileiros a experiência de ambos os países no tema. Nos Estados Unidos, a questão é tratada em lei abrangente desde 1892. As regras atuais, do famoso capítulo XI, estão vigentes desde 1978. No Brasil, o cenário é novo. Desde que a Lei de Falências que entrou em vigor, em 2005, só dois grandes casos foram concluídos sob o guarda-chuva das novas regras: o controverso processo da Varig e também o da Parmalat do Brasil - em razão dos problemas da matriz italiana.

Jorge Queiroz, presidente do conselho do IBGT, idealizador e organizador do evento da semana passada, explica que a principal idéia era permitir o contato entre os juízes, especialmente para mostrar aos profissionais brasileiros a aplicação essencial do que está por trás da reforma da lei brasileira, a possibilidade de recuperação. "Não podemos trabalhar com o diploma novo, mas mantendo a cultura antiga", diz ele, justificando a importância do debate. Queiroz conta que a discussão deverá ocorrer anualmente. Como foi o primeiro encontro, as conversas entre os juízes giraram em torno do aumento da cooperação nos casos.

Para Drain, a discussão entre as duas estruturas judiciárias é de grande valor. Na opinião do juiz americano, a principal tendência nos casos de insolvência é que eles envolvam diversos países, uma vez que os negócios estão mais globalizados. Será cada vez mais importante que todas as cortes tenham o mesmo entendimento. "O ideal é que os judiciários não pensem diferente. Se for considerada a venda de alguns ativos, por exemplo, é importante que todas as cortes concordem e atuem nesse mesmo sentido", disse ele ao Valor.

O juiz americano ressalta que os Estados Unidos e o Brasil, após a nova lei, têm a mesma filosofia no tratamento ao assunto. "O objetivo principal é resgatar e recuperar o ativo operacional, mesmo que seja para vendê-lo." Ele destacou a importância social das regras, já que ao se preservar o negócio em atividade, os empregos são protegidos.

Do encontro, que durou cerca de quatro dias, sairá um relatório conjunto, com as impressões dos magistrados. "A idéia é que esse colóquio gere uma agenda", diz Queiroz, do IBGT. Segundo ele, além de novos debates, há itens que demandam atitudes práticas.

"Ficou bem clara a importância de o Brasil adotar a Lei Modelo o mais rapidamente possível", diz o presidente do conselho do IBGT. O documento, de autoria da Uncitral-ONU, comitê das Nações Unidas que trata de questões do comércio internacional, dá as diretrizes de ação para os casos que envolvem múltiplas jurisdições. Ou seja, organiza as decisões, detalha os procedimentos para comunicação das varas e delimita as atribuições. Queiroz faz coro ao juiz Drain e destaca a perspectiva de aumento da internacionalização dos casos. "O mundo financeiro já está interconectado. O jurídico também precisar estar."

Receoso para não transmitir a impressão de que está dando palpites na legislação alheia, Drain falou também de questões culturais. Para ele, é preciso cuidado para que as companhias não sejam estigmatizadas. "Afinal, todo mundo pode ficar insolvente." O importante, na avaliação do juiz, é olhar para os ativos, procurar onde está a falha e eliminar os problemas.

Nos casos que envolvem fraudes, a preocupação com a manutenção das operações é a mesma. "É necessário saber separar o gestor fraudulento da companhia. Esse administrador tem que ser punido, mas a empresa precisa ser recuperada", enfatiza Drain, que cuidou de casos como o da Delphi.

O juiz tentou mostrar que processos de recuperação são essenciais em economias de mercado. "Há os que falham e os que têm sucessos. É preciso ter sistemas menos opressivos ao risco." As regras claras estimulam o empreendedorismo e a concessão de crédito.