Título: A arbitragem comercial internacional
Autor: Wald , Arnoldo
Fonte: Valor Econômico, 03/10/2007, Legislação & Tributos, p. E2

O congresso latino-americano realizado pela Câmara de Comércio Internacional (CCI) no Rio de Janeiro, no dia 20 de setembro, revelou a importância crescente da arbitragem internacional, especialmente, no que se refere ao Brasil. Foram apresentados não somente teses e relatórios, mas estatísticas evidenciando o aumento do uso da solução arbitral em nossas relações internacionais.

Trata-se de uma evolução que adquire relevância no momento em que o Brasil recebe vultosos investimentos diretos vinculados, na maioria dos casos, a operações de longo prazo. São contratos que não são completos, ou deixarão de sê-lo, em virtude da difícil previsibilidade dos eventos internacionais, em uma fase caracterizada pelos economistas como sendo de incerteza (Galbraith), de descontinuidade (Drücker) ou, no mínimo, de turbulência (Greenspan). Por outro lado, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, acaba de reafirmar o interesse do Brasil em realizar parcerias estratégicas com empresários internacionais e companhias privadas nacionais, inclusive para dar maior velocidade às obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), iniciando-se, assim, um "novo ciclo desenvolvimento".

Diante desta conjuntura, era oportuno verificar como poderiam ser solucionados os eventuais litígios futuros que costumam surgir entre os Estados e os seus parceiros, seja nas concessões, nas parcerias público-privadas (PPPs) ou nas outras formas de joint-venture. Considerando a demora dos processos judiciais e a impossibilidade econômica de sustar, por um longo tempo, o andamento de obras emergenciais, a conciliação e a arbitragem estão se impondo sob as suas mais diversas formas. Foram consagradas pela nossa legislação, pelos tratados assinados pelo Brasil (Convenção de Nova Iorque), pela jurisprudência dos nossos tribunais e pela doutrina. Basta lembrar as importantes decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) referentes à homologação de sentenças arbitrais estrangeiras e a centena de obras jurídicas publicadas no Brasil a respeito da arbitragem nos últimos dez anos, destacando-se, entre as últimas edições, a tese da professora Selma Lemes sobre a arbitragem na administração pública.

Mas o que se revelou no congresso realizado no Rio foi que o Brasil se tornou o maior usuário da arbitragem na América Latina, ultrapassando países que no passado eram os mais importantes na matéria, como o México e a Argentina. Por outro lado, alcançamos o quarto lugar no ranking mundial da arbitragem da CCI, ficando logo após Estados Unidos, França e Alemanha, mas antes de países com ampla tradição na matéria, como Itália, Inglaterra, Espanha e Suíça.

-------------------------------------------------------------------------------- O Brasil se tornou o maior usuário da arbitragem na América Latina e está em quarto lugar no ranking mundial da CCI --------------------------------------------------------------------------------

A evolução é mais relevante ainda diante do fato de que há dez anos o Brasil praticamente não participava das arbitragens internacionais e de que, ainda em 2000, só havia dez partes brasileiras litigando na corte, enquanto atualmente são 71.

A verdadeira revolução cultural e institucional na matéria também se evidencia por outros dados, como o número crescente de arbitragens internacionais realizadas no Brasil. São agora numerosas as arbitragens processadas e decididas não só em São Paulo e no Rio de Janeiro, como também em Belo Horizonte, Brasília e Porto Alegre. A lei brasileira, que só raramente era aplicada em arbitragens internacionais, passou a sê-lo costumeiramente e grande parte dos árbitros internacionais que funcionam nestes casos é brasileira. A CCI chegou também a nomear juristas brasileiros como árbitros em litígios em que nenhuma das partes é brasileira, como ocorreu em relação a casos de interesses de vários Estados africanos de língua portuguesa.

A posição do nosso governo em relação à arbitragem internacional, que no passado era reservada, tornou-se muito construtiva como as recentes manifestações do atual ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), José Antônio Dias Toffoli, tanto por ocasião da sua posse como em entrevistas que deu posteriormente. Para Toffoli, chegou a hora de superar a "cultura do litígio", para, em um clima de parceria, resolver os problemas e as divergências por meio da arbitragem, tanto entre órgãos estatais como entre os mesmos e as empresas privadas.

Se, no passado, falou-se muito na mora do direito em relação à economia, as normas jurídicas e as decisões judiciais, em matéria de arbitragem, acompanham as necessidades econômicas e sociais, criando e desenvolvendo instrumentos para conseguir soluções rápidas e eficientes, exigidas pelo novo direito administrativo, que se transformou em um verdadeiro "direito do desenvolvimento".

Assim, a arbitragem internacional torna-se uma das melhores garantias do futuro dos contratos administrativos, funcionando como meio construtivo e flexível de pacificar as relações jurídicas e conciliar os interesses públicos e privados, que devem ser respeitados nas PPPs e nas demais joint-ventures entre o poder público e a iniciativa privada.

Arnoldo Wald é advogado, sócio do Wald e Associados Advogados, professor catedrático de direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e membro da Corte Internacional de Arbitragem

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações