Título: Bush pressiona Lula para obter concessões
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2007, Brasil, p. A6

Os EUA aumentam a pressão sobre Brasil, Índia e África do Sul para que se comprometam com cortes médios entre 55% e 60% nas tarifas industriais na Rodada Doha, percentuais que, inicialmente, foram rejeitados pelos três países.

O governo americano espera que o encontro dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do sul-africano Thabo Mbeki e do primeiro-ministro indiano Manmohan Singh, no próximo dia 17 em Pretória (África do Sul), resulte numa forte declaração de apoio a reduções tarifárias propostas pelo mediador da negociação industrial na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Fontes do Itamaraty disseram que durante o encontro da semana passada, em New York, Lula informou ao presidente George Bush sobre sua participação no Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul, onde seria discutido também como avançar na Rodada Doha.

Agora, a Casa Branca aumenta a pressão, particularmente sobre Lula, para que o presidente brasileiro use sua "liderança"' junto aos dois emergentes, vistos como problemáticos por Washington, que tenta isolá-los na negociação. Os americanos querem que os três líderes declarem apoio formal às bases de um acordo, não apenas em relação ao texto industrial, mas também sobre as tarifas agrícolas, numa pressão sobre a Índia, que resiste à abertura no setor.

Para Washington, esta é a maneira de se chegar a um desfecho na rodada global de negociação comercial e fechar um acordo durante o mandato de Bush na Casa Branca.

O mediador da negociação industrial propôs coeficientes 19 a 23 para cortes tarifários, que Argentina e Venezuela claramente rejeitaram, e que Brasil e outros consideraram exagerados. A oposição dos países diminuiu recentemente, mas ele exigem, em contrapartida, mais flexibilidade.

O que se negocia na OMC é corte nas tarifas consolidadas (o teto máximo que o país pode impor), mas simulações mostram que, com coeficiente 19 com flexibilidade, o corte médio nas tarifas realmente aplicadas no Brasil seria de 12,5%. Com coeficiente 23, o corte médio seria de 7,6%. Nos dois casos, seriam atingidas metade das tarifas. Com coeficiente 24, o corte médio nas alíquotas aplicadas atingiria 8,4%, alcançando 38% das importações.

Para certos negociadores, os EUA preparam o terreno para jogar a culpa no Brasil e outros emergentes no caso de novo fiasco na Rodada Doha no fim deste ano. Certos diplomatas vêem um claro "descompasso" entre promessas de flexibilidades feitas por Bush a Lula, e a real posição americana na OMC, alimentando um clima de pessimismo.

Como não podem avançar muito na área agrícola, com compromissos para reduzir seus bilionários subsídios agrícolas, os EUA se focalizam na cobrança sobre o Brasil e outros emergentes na área industrial. Nessa negociação não há avanços, porque ela depende de progressos na área agrícola. Hoje, negociadores americanos vão dar "explicações técnicas" à imprensa, em Genebra e Washington, sobre a posição agrícola americana. O ultimo movimento americano foi aceitar negociar corte de subsídios na faixa entre US$ 13 bilhões e US$ 16,4 bilhões por ano.

Alguns países já passaram a aconselhar discretamente ao diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, para frear suas declarações otimistas sobre um acordo até dezembro.

Por sua vez, os países do Mercosul vão se reunir em Genebra para definir sua demanda por flexibilidade adicional na área industrial, mas nada indica que o Uruguai aprove o documento. A idéia de Brasil e Argentina é de pedir mais produtos industriais com cortes tarifários menores, argumentando que o bloco tem membros com situação econômica distinta. A África do Sul tem demanda idêntica para a União Aduaneira da África Austral.

O Uruguai, que pode, se quiser, ser enquadrado na categoria de "economia pequena e vulnerável", aparentemente não aprecia a proposta. Na presidência rotativa do bloco, Montevidéu arrastou os pés para fazer a reunião para definir o tamanho da flexibilidade a ser pedida. Um representante uruguaio disse ontem que não havia proposta, e que nem o Brasil a tinha aprovado internamente.