Título: Chinaglia resiste à pressão para confrontar Supremo
Autor: Vitale Jayme, Thiago ; Costa ,Raymund
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2007, Política, p. A9

Pressionado por partidos aliados ao governo a desafiar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, informou aos ministros do tribunal que acatará o resultado do julgamento. O deputado petista espera que a eventual decisão da Suprema Corte passe a valer apenas a partir de agora, o que evitaria que ele tivesse de declarar a perda do mandato de 46 deputados que trocaram de partido e cujas vagas estão sendo reclamadas pelo PSDB, DEM e PPS. Outra opção em cogitação é a decretação de uma anistia aos deputados.

Chinaglia acionou o advogado Fernando Neves às 12h30 de ontem, horas antes de o julgamento começar. Na defesa do presidente da Câmara, Neves disse que ele só não aceitara o requerimento dos três partidos por não ter uma base legal para isso. Mais tarde, no intervalo do julgamento, Neves disse a ministros que Chinaglia fora mal interpretado em declarações feitas na semana anterior. O fato, no entanto, é que Chinaglia efetivamente analisou a hipótese de não cumprir a decisão do Supremo, mas foi aconselhado em contrário por outros deputados, como o também petista José Eduardo Cardozo (SP), a menos que encontrasse uma sólida base jurídica.

O presidente da Câmara está sob intensa pressão de partidos aliados do governo - que estão divididos -, especialmente do PMDB, PR e PDT.

As três siglas exigem que Arlindo Chinaglia adote uma postura ofensiva caso o Supremo conclua pela perda de mandato dos "infiéis". Foram esses três partidos os maiores beneficiários do troca-troca de deputados. Eles aguardam novas adesões até amanhã, quando se encerra o prazo de filiação daqueles que planejam concorrer às eleições municipais de outubro de 2008.

Segundo deputados do PT, Chinaglia já disporia inclusive de um parecer da assessoria jurídica segundo o qual a Mesa Diretora não cometeria qualquer irregularidade, se não acatar a decisão, já que a Constituição não prevê a infidelidade partidária entre os casos passíveis de perda do mandato - tema, aliás, também em debate no Supremo.

O assunto foi tratado no jantar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os partidos na base aliada na terça-feira. No encontro, a maioria dos líderes apostava na cassação dos mandatos dos "infiéis", pelo menos a partir da primeira decisão nesse sentido, proferida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em março.

Lula não se comprometeu com eventual projeto de anistia. A alguns líderes, o presidente afirmou ser favorável à fidelidade partidária. Disse que a atual situação do Congresso é muito complicada por causa do troca-troca. "Prefiro negociar com partidos do que com deputados".

Ele lembrou que, em 1982, quando o PT tinha apenas sete deputados, quatro foram expulsos por desrespeitar decisões do partido. "Não posso ser contra a fidelidade partidária", lembrou o presidente. Muitos líderes ponderaram que a cassação de tantos deputados poderia dificultar a votação do segundo turno da prorrogação da CPMF. O líder do PV, Sarney Filho (MA), chegou a propor ao presidente que arrumasse "alguém para pedir vista" e adiar o julgamento.

Deputados que têm conversado com Chinaglia admitem uma outra hipótese: a Mesa Diretora poderia se omitir e jogar o problema diretamente análise do plenário. "Chinaglia dividiria uma possível desobediência ao STF com a Casa", disse um desses deputados. Um líder governista não crê em qualquer dessas opções. "Não tem outra saída. A Mesa terá de obedecer a decisão do STF. Mesmo por que, se há pressão para evitar as cassações, vai ter muita pressão para cassar esses deputados. Na base aliada, essa é uma questão prioritária apenas do PR, que dobrou de tamanho. Para todos os outros, não faz muita diferença", lembrou.

O PR elegeu 23 deputados e hoje tem 42. Nos demais partidos da base aliada, quem mais inchou a bancada foi o PMDB: pulou de 89 para 94. O PSB tem três a mais, assim como o PRB, do vice-presidente da República, José Alencar. O maior prejudicado foi o PPS que elegeu 22 deputados e conta apenas com 13. O DEM perdeu seis e tem 59. O PSDB perdeu oito e conta com 58.

O movimento na Câmara, no entanto, é de que a decisão do STF passará em branco, seja ela qual for. Exemplo disso foi a filiação, ontem, durante o julgamento do Supremo, do deputado Paulo Rubem Santiago (PE) ao PDT. Ele era do PT desde a fundação da legenda. "Meu caso é diferente. Não mudei por fisiologismo ou por barganha. Tive claras diferenças pragmáticas com o PT nos últimos anos e saí por motivos ideológicos", afirmou.

Seja qual for a decisão do STF, deputados e consultores da Câmara descartam a possibilidade de as decisões da Casa nos últimos meses serem colocadas sob suspeita. Ontem, surgiu uma tese, na Câmara, de que as votações poderiam ser anuladas (entre elas as medidas provisórias do PAC e o primeiro turno da CPMF), já que 46 deputados estariam no cargo ilegalmente. "O pessoal gosta de uma firula. Isso não existe. Os efeitos só valem a partir da decisão. Não retroagem", disse o vice-líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-RR). O presidente do PMDB, Michel Temer, defende ponto de vista oposto.

Os presidentes dos partidos que perderam deputados deixaram o STF otimistas com o andamento do julgamento, que será concluído hoje. Rodrigo Maia (DEM) inclusive antecipou que o Democratas não aceitará eventuais pedidos de refiliação. A maioria acredita que o Supremo estabelecerá uma "modulação", ou seja, a decisão passa a valer a partir de determinada data, que pode ser a da decisão do TSE, em março, ou o julgamento do STF.