Título: Região tem 19 vilas totalmente isoladas
Autor: Mariz, Renata; Oliveira, Ronaldo
Fonte: Correio Braziliense, 18/01/2011, Brasil, p. 8

O Correio sobrevoou de helicóptero as cidades devastadas pelas chuvas. Nos locais ilhados, a população acena em busca de socorro para alguém ferido ou se há algum risco de deslizamento. Prioridade é abrir caminho até esses lugares

Teresópolis (RJ) ¿ Na madrugada de amanhã, o temporal que arrasou a região serrana do Rio de Janeiro completa uma semana. Mesmo com os notáveis esforços de autoridades e voluntários de todo o país, ainda há 19 vilas isoladas, conforme levantamento do Correio perante a Defesa Civil de Petrópolis, Teresópolis, Sumidouro e Nova Friburgo. São pequenas porções de terra cujo acesso se dá, em alguns casos, com horas de caminhada a pé, abrindo trilhas no meio dos destroços.

Na maioria das vezes, porém, só por helicóptero. Do céu, é possível constatar a situação-limite pela qual passa a população ilhada nessas localidades.

A cada voo dos helicópteros sobre as áreas devastadas, os moradores ilhados acenam. Balançar os braços com mais força ou apontar para determinado local é sinal de alguma emergência mais grave do que a própria condição dessa população. Pode ser uma pessoa doente, um idoso machucado. Nesses casos, é preciso saber exatamente se o local oferece condições de pouso. Embora uma parada não planejada até aconteça, a situação é pouco comum. Isso porque cada decolagem é antecedida por um planejamento muito bem amarrado que começa com um pedido de socorro.

O chamado geralmente parte da Defesa Civil ou do Corpo de Bombeiros, que têm sistemas de comunicação e homens em terra capazes de saber onde há necessidade da ajuda vinda de helicópteros ¿ desde distribuição de mantimentos a resgates de sobreviventes. ¿Trazer ou não as pessoas no helicóptero dependerá de uma avaliação dos agentes da Defesa Civil e dos bombeiros. Nem sempre é necessário. Mas havendo risco de novos deslizamentos ou alguém doente, por exemplo, nós não hesitamos¿, explica o general Roberto Peternelli, que coordena os trabalhos de aviação em Teresópolis.

Quando o pedido de ajuda chega à Granja Comary, local de concentração da Seleção Brasileira e hoje transformado em batalhão de aviação civil, é preciso saber exatamente para onde e por que decolar. É quando os homens do setor decidem o tipo de carregamento do helicóptero. De medicamentos, os mais solicitados são insulina e reguladores de pressão arterial. Água é suprimento básico. Mas nem sempre a operação é ligeira. Ontem, na hora de carregar determinados remédios, por exemplo, os produtos não estavam no local. Um militar teve de buscar fora da Granja Comary.

Do Centro de Controle Integrado, montado atrás da prefeitura de Teresópolis, as coordenadas geográficas são requisitadas. Os locais com populações isoladas, segundo o coronel Silva Junior, do Exército, nem sempre são muito visíveis, mesmo do helicóptero. Ninguém arrisca dizer quantas pessoas isoladas existem hoje na região serrana. Até mesmo as informações sobre o número de áreas ilhadas variam. E a situação se modifica a todo momento. ¿Muitas vezes, quando descemos, verificamos homens da Defesa Civil chegando por terra com mantimentos. Então aquela área passa a não ser mais a nossa prioridade, embora possamos atender¿, diz o general Peternelli.

Ele explica que a distribuição de mantimentos por terra é mais eficiente e rápida. ¿Quanto mais tivermos um solo firme, melhor as equipes irão atuar. O trabalho com helicópteros é importante e vai continuar até quando for necessário, mas exige mais planejamento. O nosso espaço para carregar é limitado, bem como para trazer sobreviventes que queiram sair de suas casas¿, explica. O coronel afirma, ainda, que moradores de áreas de risco se recusam a sair de casa, mesmo diante da tragédia que ocorreu há menos de uma semana na região. Os helicópteros que participam das operações no Rio de Janeiro são do Exército, da Polícia Civil do Rio, do Corpo de Bombeiros do Rio, da Marinha, da Aeronáutica, e das polícias militares do Rio, de São Paulo e do Paraná.

Voar para o reencontro

Teresópolis (RJ) ¿ A agonia dos nove dias sem ver nem falar com a família, ilhada em Santa Rita, teve fim ontem. Cassemiro José da Silva foi levado por um helicóptero do Exército para rever a mulher, Crenilda Fagundes, e as duas filhas. A mais velha, Isabella, de 19 anos, correu para receber o abraço do pai em frente à residência, intacta. ¿É Deus que protege a minha casa¿, disse o homem de 60 anos. Santa Rita é uma das 19 comunidades da região serrana do Rio de Janeiro cujo acesso foi destruído pelo temporal da última terça-feira.

Filha caçula de Cassemiro, Gabrielle, de 13 anos, deu mais que um abraço no pai. Emocionada, a menina dedicou um poema de própria autoria sobre o bairro onde sempre morou hoje destruído. E Crenilda repassou ao marido as notícias do local. Algumas boas, sobre pessoas que tinham se salvado; outras a respeito de mortes de vizinhos e amigos. Cassemiro, que estava viajando para Natal, capital do Rio Grande do Norte, para celebrar os 100 anos do pai, era só alegria por, enfim, poder voltar para casa.

Ele conta que conseguiu ser levado pelo Exército depois que um amigo intermediou o contato. O general Roberto Peternelli, do Exército, que coordena os trabalhos de aviação em Teresópolis, destaca que casos assim são possíveis de atender agora por conta da diminuição das demandas. ¿Antes, tínhamos muitas áreas, corpos, resgates. Atualmente, podemos prestar esse tipo de apoio¿, diz. Hoje, segundo ele, uma mulher será transportada de um local isolado para outro. O objetivo: encontrar a filha, desaparecida. (RM e RO)