Título: Vizinho mantém medidas que prejudicam competitividade local
Autor: Marli Olmos
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2005, Brasil, p. A4

Ao mesmo tempo em que quer prorrogar o acordo automotivo para evitar que os veículos produzidos no país percam ainda mais espaço para a produção brasileira, o governo argentino mantém em vigor uma série de medidas que prejudicam a competitividade dos automóveis fabricados pelas montadoras locais. O principal problema mencionado por fontes da indústria automobilística ouvidas pelo Valor é a alta carga tributária. Sobre cada automóvel exportado pelo país incide um imposto de 5%, o que encarece o produto e dificulta a obtenção de compradores para compensar a redução das vendas de carros ao Brasil. Do dinheiro destinado pelas empresas para investimentos no país, o governo também absorve 21% referentes ao Imposto sobre Valor Agregado, e as empresas do setor reivindicam que esses recursos sejam restituídos. Mesmo com a queda das vendas ao mercado brasileiro, em 2004 as montadoras argentinas tiveram uma importante recuperação, com um aumento de 53,9% na produção de veículos. Apesar disso, o conjunto das indústrias ainda está longe de se recuperar da forte queda nas vendas observada a partir de 1999, e a maioria opera com alta capacidade ociosa. E ainda que a produção nacional tenha se recuperado, ano passado os importados responderam pela maior parcela dos automóveis vendidos no mercado interno (ver quadro). Por causa da queda do padrão de vida da população causada pela crise, a maior parte dos veículos vendidos na Argentina são os "populares" de baixa cilindrada feitos no Brasil, não os carros de maior porte e potência nos quais a indústria do país vizinho se especializou. O desempenho fraco no mercado brasileiro foi compensado pelo aumento das exportações a outros países, e o crescimento mais expressivo foi o do México, que pelo segundo ano consecutivo foi o maior comprador de carros feitos na Argentina. A expectativa de fontes da indústria é que o desempenho se repita neste ano, embora também no mercado mexicano os argentinos estejam em desvantagem em relação aos competidores brasileiros: o acordo para o comércio de automóveis fechado entre o sócio do Nafta e o Mercosul prevê que as autopeças brasileiras ingressem no país com tarifa zero, enquanto que as peças fabricadas na Argentina pagam um imposto de 23%. Assim, o preço maior das peças argentinas pode fazer com que uma parte dos consumidores mexicanos acabe optando por carros brasileiros, por causa dos custos mais baixos de manutenção. Diante desse cenário melhor, mas ainda incerto, o governo argentino continua exercendo forte pressão sobre os fabricantes para que realizem investimentos e levem a produção de modelos novos para país. Embora evitem falar publicamente sobre o assunto, as montadoras locais são contra a idéia de prorrogar o acordo automotivo, cujas regras provavelmente vão limitar sua liberdade de atuação. A favor da prorrogação estão os fabricantes de autopeças, que temem que com o fim do comércio regulado outras linhas de montagem sejam transferidas ao outro lado da fronteira. Em caráter reservado, fontes do setor dizem que um exemplo recente mostra como é difícil ter uma situação de previsibilidade na realização de negócios na Argentina. O governo deve às empresas US$ 350 milhões referentes a um programa patrocinado pelo Estado entre 1999 e 2001 para estimular a troca de veículos com mais de dez anos por novos. As autoridades reconhecem a dívida, mas na última semana a imprensa local afirmou que ela será paga em parcelas e convertida em pesos ao câmbio de 1 para 1. Com o dólar cotado a 2,92 pesos, as empresas vão receber pouco mais de um terço do montante original. Se isso servir de consolo, o desconto é menor do que os 75% enfrentado pelos credores da dívida externa em default.