Título: Montadoras vão propor benefícios para argentinos
Autor: Marli Olmos
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2005, Brasil, p. A4

O encaminhamento das negociações do acordo automotivo do Mercosul tende a tomar um tom mais cordial entre brasileiros e argentinos e um rumo mais favorável aos apelos dos argentinos, que se queixam da concentração da produção de veículos no Brasil. Nos próximos dias, o governo brasileiro poderá ser chamado a participar do debate em torno de idéias que os fabricantes de veículos tiveram para eliminar algumas amarras que hoje dificultam a venda no Brasil de produtos fabricados do outro lado da fronteira. Uma das propostas é a liberação do Finame, uma linha de financiamento que usa recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para caminhões fabricados na Argentina. No ano passado, a Iveco, fabricante de caminhões do grupo Fiat , deslocou de Córdoba para Sete Lagoas, em Minas Gerais, uma linha de produção destinada ao mercado brasileiro justamente para que os consumidores pudessem utilizar a linha do BNDES. O Finame é um dos principais sistemas de comercialização de caminhões hoje no Brasil. Com a mudança, as vendas da Iveco cresceram. Outra medida que está sendo estudada é a extensão dos benefícios tributários para taxistas que comprarem carros produzidos na Argentina. Hoje a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para táxis no Brasil só vale para veículos nacionais. Mais do que essas propostas, ainda em fase de elaboração, a indústria automobilística começa, nas conversas de bastidor, a demonstrar que está mais interessada do que nunca no fortalecimento do bloco Mercosul por ter em vista a movimentação da Organização Mundial do Comércio (OMC) em relação a novas regras de comércio entre países. Os dirigentes da indústria sabem que precisam fortalecer o bloco para enfrentar mudanças no âmbito do comércio mundial de veículos. Uma das alterações cogitadas é a possível redução da alíquota do Imposto de Importação no Brasil para carros fabricados fora do Mercosul. Hoje, não há imposto para o intercâmbio de veículos entre Brasil e Argentina. Um acordo bilateral também está abrindo as fronteiras do setor entre Brasil e México. Mas carros fabricados fora do Mercosul e México só entram no mercado brasileiro mediante recolhimento de imposto de 35%. Existe, ainda, a preocupação com a iminência de um acordo de intercâmbio comercial entre Mercosul e União Européia. "O fortalecimento do bloco é importante para os próximos acordos internacionais", resume o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Rogelio Golfarb, que representa as montadoras no Brasil. Golfarb lembra que o fortalecimento do bloco também é um objetivo que vem sendo perseguido pelas matrizes das montadoras. Ao longo dos dez últimos anos, as montadoras investiram cerca de US$ 25 bilhões nos dois países, elevando para 4 milhões de veículos por ano a capacidade de produção automotiva na região. Cerca de US$ 18 milhões foram gastos no Brasil e o restante na Argentina. O objetivo maior desses investimentos, segundo lembra um executivo do setor, era tirar proveito do potencial de crescimento dos mercados internos dos dois países. As projeções da indústria automobilística indicam potenciais de vendas anuais de 2 milhões de veículos no Brasil e 500 mil na Argentina. O mercado brasileiro chegou a 1,578 milhão de veículos em 2004 e o argentino, que vem se recuperando, ficou próximo de 300 mil. Antes da crise econômica na Argentina, as montadoras distribuíam as linhas de montagem entre os dois países. Existia, inclusive, até 2001, obrigatoriedade de equilíbrio na balança comercial do setor automotivo dos dois países. Mas, a drástica queda nas vendas na Argentina e o aumento da competitividade do lado brasileiro deram início a um processo de migração de linhas de montagem para o lado brasileiro. Com isso, a balança começou a resultar em superávits cada vez maiores para o Brasil. De um total de US$ 1,6 bilhão em produtos automotivos (incluindo carros, chassis e peças) para o Brasil em 1999, as exportações da Argentina nesse setor desabaram para US$ 800 milhões em 2003. No mesmo ano, as vendas de produtos automotivos do Brasil para a Argentina totalizaram US$ 1,5 bilhão. No ano passado, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, a exportação de veículos e componentes para a Argentina somou US$ 2,8 bilhões em divisas para o Brasil. No sentido contrário, a receita foi de US$ 1,2 bilhão. O desequilíbrio na balança vem da migração da produção. Já faz quatro anos que a Fiat deixou de produzir automóveis numa moderna fábrica que a montadora italiana tem em Córdoba. Mas houve casos de quem aposta na recuperação da identidade do bloco. Caso da Toyota , que, ao contrário das demais montadoras, há mais de um ano decidiu investir US$ 200 milhões para ampliar a fábrica de Zárate , próxima a Buenos Aires, para a instalação de nova linha de utilitários. No Brasil, fica a fábrica de automóveis e, com essa estratégia, a montadora japonesa pretende fazer do Mercosul uma base de exportação para América Latina, Caribe e México. Agora, com a recuperação dos dois mercados e o propósito do fortalecimento do bloco mais firme, as montadoras já começam a distribuir os novos projetos entre os dois países. A Peugeot está produzindo o modelo 307 na Argentina e Volkswagen e a Renault já incluíram as suas fábricas no país vizinho nos projetos dos lançamentos de novos automóveis.