Título: O clube que virou fundo
Autor: Adriana Cotias
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2007, EU & Investimento, p. D1

O que há em comum entre um grupo de universitários de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, crianças paulistas do ensino médio e fundamental, militares do Rio, associados do Esporte Clube Pinheiros, em São Paulo, e funcionários de uma financeira, em Recife? O que reúne esse conjunto tão diverso é que todos participam de clubes de investimentos que estão virando fundos de ações. Idealizadas para ser a porta de entrada da pessoa física na Bovespa, muitas dessas carteiras ficaram grandes demais para comportar a estrutura simplificada de um clube. Essa movimentação toda coincide com o momento em que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) acena com mudanças na regulamentação e já elabora uma minuta de instrução que será colocada em audiência pública para acolher sugestões do mercado.

A autarquia quer evitar que, sob a égide da flexibilidade das regras atuais, clubes sejam vendidos como fundos sem, contudo, cumprir as exigências de auditoria, divulgação diária de cotas e de custódia, conforme requer a Instrução 409, que regula o setor. A legislação original de clubes data de 1984 e ficou defasada para atender um segmento que cresce a passadas largas no Brasil.

Só neste ano, até o fim de agosto, foram criados 359 clubes de investimentos e no total já são 1.990 carteiras. São portfólios que reúnem quase 150 mil aplicadores e um patrimônio de mais de R$ 13 bilhões, segundo dados da Bovespa. De maio para cá, a formação de clubes ganhou ritmo e, na média, mais de 70 portfólios vêm sendo constituídos mensalmente, o dobro do início do ano. O número de clubes que vêm sendo transformados em fundos também não é desprezível. De acordo com a CVM, desde que a instrução 409 entrou em vigor, em agosto de 2004, 26 clubes viraram fundos.

Na 409, consta a primeira formalização explícita do regulador para essa migração. As mudanças, agora, vão no sentido de aperfeiçoar as regras e delimitar melhor as fronteiras entre clubes e fundos. "Nossa preocupação vai na linha da arbitragem regulatória, pois há um veículo de investimento mais simples e barato, mas o investidor pode estar menos protegido do que em outro produto destinado ao mesmo público", diz Luís Felipe Lobianco, da Superintendência de Relações com Investidores Institucionais da CVM.

A legislação atual não tem, por exemplo, nenhuma menção ao tamanho do patrimônio do clube que o colocaria na condição de fundo - só há o corte de 150 cotistas. Lobianco esclarece, porém, que a autarquia ainda não bateu o martelo sobre o que deve constar na minuta de instrução. Também não há um prazo para o início da audiência pública. Embora o registro e fiscalização dos clubes sejam delegados à Bovespa, a CVM mantém a competência regulatória.

Longe de chegar ao máximo de 150 cotistas permitido pela regra dos clubes de investimentos, o Uranos, administrado pela Concórdia Corretora, é um exemplo de carteira que ganhou porte e está virando fundo. Com apenas 25 cotistas de uma mesma família, o patrimônio atingiu R$ 27 milhões, quando na média os clubes reúnem R$ 6,8 milhões. "O fundo tem uma configuração melhor do ponto de vista institucional, mas custa mais caro", diz Hugo Saito, da Concórdia. "Então é preciso ter um certo tamanho, caso contrário os encargos ficam pesados e podem consumir os resultados."

O Vida Feliz da corretora Spinelli, primeiro clube voltado para crianças, transformou-se em fundo na quarta-feira passada, também para poder crescer e ser amplamente distribuído. "Queremos levar educação financeira às escolas, falando abertamente às crianças sobre o assunto", diz Manuel Lois, diretor de novos negócios da Spinelli. Como clube, a corretora não poderia divulgá-lo a novos investidores. Lois conta que a idéia é promover eventos lúdicos sobre finanças. "Agora a aplicação poderá crescer independentemente da origem e da relação entre os cotistas."

A Geração Futuro, que iniciou sua história de gestão por meio dos chamados clubes de investimentos programados - uma série de carteiras com aportes mensais a partir de R$ 100,00, mas já com 150 cotistas e, portanto, fechados para captação -, tem hoje 268 clubes sob o seu guarda-chuva, com um patrimônio de R$ 976 milhões. Três desses portfólios ganharam autorização da CVM para virar fundo porque alcançaram o limite máximo de participantes: o clube da Feevale, instituição de ensino superior de Novo Hamburgo (RS); o de oficiais e praças do Exército de Duque de Caxias (RJ), e, o dos associados do clube Pinheiros (SP).

Para tocar tantos portfólios, boa parte dos clubes segue as diretrizes de gestão adotadas pelos fundos da casa, conta o diretor da Geração Wagner Salaverry. Em linhas gerais, são nove papéis em carteira, entre "small caps" (ações de empresas menores) e blue chips (papéis de primeira linha).

Não só o limite de cotistas, mas também a busca por uma gestão profissionalizada foi a motivação para transformar em fundo um clube formado por cerca de 100 funcionários de uma financeira em Recife, diz Marcelo Rizzo, da Coinvalores. A principal desvantagem da migração, diz, é que num fundo o cotista acaba perdendo voz ativa, quando num clube ele pode realmente apitar na gestão. A corretora ainda tem 16 outros clubes e diz que a procura não pára. Para se montar um clube, a instituição exige um patrimônio de R$ 300 mil em até seis meses, cobrando 2% de taxa de administração e corretagem de acordo com a tabela da Bovespa. (Colaborou Danilo Fariello)