Título: Acordo com o PSDB leva projeto dos consórcios municipais de volta à pauta
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2005, Política, p. A6

Objeto de uma disputa política entre o governo federal e os governadores do PSDB, o projeto que regulamenta a constituição de consórcios municipais vai voltar a andar no Congresso este ano. A proposta será votada primeiro no Senado, e depois na Câmara, assim que os trabalhos legislativos recomeçarem. Já existe uma minuta de acordo negociada entre o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, e os tucanos, com muitas concessões por parte do governo Foi colocada logo no artigo primeiro do projeto a proibição da União participar de consórcios sem a presença dos governos estaduais, que era o principal temor dos tucanos. A previsão de que os consórcios poderiam participar de parcerias público-privadas desapareceu. Está vedada a delegação de competências da União para os consórcios ou transferências voluntárias. O projeto do governo chegou à Câmara em julho do ano passado e parou depois da publicação de um artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em agosto. O ex-presidente dizia que o consórcio era uma manobra para o governo celebrar parcerias diretamente com os municípios, ignorando os Estados. "O projeto dá novo sentido à organização federativa, sem anunciar que está fazendo isso", escreveu o presidente. O que teria motivado o governo federal seria o fato dos principais Estados do país serem administrados pela oposição, ao passo que a base política do PT está nas grandes cidades. Por meio dos consórcios, o Palácio do Planalto poderia diminuir o poder político dos governadores oposicionistas para atender seus aliados. "Este era o maior receio não só do governo de São Paulo, mas de outros Estados. O texto original do governo era dúbio a este respeito. Em um artigo, permitia a associação entre dois ou mais entes da Federação. No artigo 29, proibia associação entre União e municípios excluindo os governos estaduais. A contradição entre um dispositivo e outro permitia leituras diferentes", afirmou o secretário da Casa Civil do governo paulista, Arnaldo Madeira. "O consórcio público corria o risco de virar um quarto ente federativo, ao lado de municípios, Estados e União", sintetizou o deputado Alberto Goldman (PSDB-SP). O governo federal nega o direcionamento político, mas admite que a idéia do projeto é fortalecer mesmo uma entidade intermediária entre municípios e Estados. "Queremos construir um instrumento de cooperação federativa. Os municípios isolados não têm como resolver suas agendas. Muitas vezes não podem sequer fazer um aterro sanitário para a destinação final de lixo, por falta de área útil", afirma o subchefe de Assuntos Federativos da pasta de Aldo, Vicente Trevas. Segundo o assessor do ministro, "a lei precisa dar caráter público e permanente aos consórcios". Mesmo na forma nova do projeto, sem parceria direta com Brasília e sem PPPs, a instituição de consórcios públicos aumenta os horizontes dos municípios. Associados, eles ganham escala para assumirem com mais facilidade os serviços de água e esgoto, ameaçando o interesse das companhias estaduais de saneamento. Existe uma disputa entre Estados e municípios sobre a competência na área de saneamento que dificulta até hoje privatizações no setor. "Embora o projeto dos consórcios trate de outro assunto, a questão do saneamento contaminou a discussão, porque a proposta fortalece as prefeituras", disse a deputada Angela Guadagnin (PT-SP), que era a relatora do projeto na Câmara. "A questão do saneamento é o verdadeiro ponto de resistência", concordou Trevas. Depois da reação tucana, o governo mudou a sua estratégia para aprovar a instituição dos consórcios. Retirou a urgência do projeto que enviara para a Câmara e fez um acordo com o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), relator de um projeto apresentado pelo deputado Rafael Guerra (PSDB-MG) em 1999. Ex-secretário de Saúde do próprio Azeredo, Guerra propôs uma regulação para os consórcios regidos pelo direito privado, modalidade mais apropriada para associações de municípios voltadas para os serviços de saúde. Pelo acerto político, a proposta do governo foi anexada ao projeto de Guerra, com modificações. Azeredo deverá apresentar o substitutivo logo que a Comissão de Constituição e Justiça voltar a funcionar. Aprovado no plenário do Senado, a proposta segue para a Câmara já negociada. Toda a orientação tucana na negociação foi a de reduzir ao máximo a presença da União como fomentadora dos consórcios. "Do jeito que a proposta estava, o Executivo canalizaria as parcerias para a direção que quisesse", firmou Guerra. Os tucanos fizeram duas concessões: permitiram que os consórcios ganhassem caráter de pessoa jurídica do direito público e concordaram com a possibilidade de consórcios envolvendo o governo federal, desde que com os Estados. A existência de consórcios municipais no país não é nova. Manifesta-se com mais força na área da saúde, onde é comum municípios menores usarem a rede de atendimento das cidades maiores. Segundo estimativa do próprio governo, em 2001 havia 1.969 municípios organizados em consórcios de saúde, 669 associados para o uso compartilhado de equipamentos e 216 para destinação final de resíduos sólidos. Mas a precariedade jurídica é total: os consórcios podem no máximo se organizar sem fins lucrativos e estão proibidos de receber qualquer recurso público. Não há dispositivos que assegurem sua manutenção no final do mandato dos prefeitos e os tribunais de contas questionam a parceria.