Título: Supremo nega mandato a quem trocou de partido depois de 27 de março
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2007, Brasil, p. A9

Antonio Fernando: parecer de procurador-geral rejeita reivindicação de que mandatos pertencem aos partidos O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, ontem, o julgamento da titularidade do mandato de deputados e, até às 22h, já estava garantida a maioria a favor da decisão de que os mandatos pertencem aos partidos, mas os deputados que trocaram de partido antes de 27 de março de 2007, ficam com seus mandatos preservados. Já quem trocou de partido após esta data, está sujeito à perda do mandato.

Em 27 de março deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) concluiu que o parlamentar que trocar de partido após a eleição deve perder o mandato. Com base nessa decisão, os partidos de oposição PSDB, DEM e PPS pediram de volta os mandatos de 23 deputados que trocaram de legenda após as eleições de outubro de 2006.

O placar, até às 22h30, era de seis votos favoráveis aos partidos como titulares dos mandatos e três contrários à perda de mandato dos deputados infiéis, por achar que os mandatos a eles pertencem. Os votos a favor da fidelidade foram dados pelos ministros Celso de Mello, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Carlos Alberto Menezes Direito, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso e Gilmar Mendes. Já os ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa concluíram que a Constituição não autoriza a perda dos mandatos dos infiéis.

Faltavam os votos de Marco Aurélio Mello e da presidente do STF, ministra Ellen Gracie. Marco Aurélio já votou a tese no TSE, onde exerce a presidência e foi amplamente favorável à fidelidade partidária e à perda do mandato dos infiéis. Com o seu voto, o STF chegaria a sete, entre onze ministros, o necessário para garantir que os mandatos são dos partidos.

Relator do mandado de segurança do PSDB, o ministro Celso de Mello deu o voto condutor da tese favorável à fidelidade partidária. Mello considerou que a perda de mandato se dará apenas para os parlamentares que trocaram de partido depois de o TSE decidir o caso, pois, antes dessa decisão prevalecia entendimento anterior do próprio STF, tomado em 1989, de que os mandatos eram dos parlamentares. Mello concluiu que o Supremo não poderia condenar quem trocou de legenda com base no entendimento anterior do STF. Por isso, só poderiam perder os mandatos os parlamentares que trocaram de legenda após a decisão do TSE.

O ministro abriu ainda duas exceções à perda de mandato. Primeiro, o parlamentar que trocar de partido pode manter o seu mandato caso a troca tenha se dado pelo fato de o partido ter modificado a sua orientação. Ele concluiu que, neste caso, foi o partido que traiu a sua ideologia, e não o parlamentar. Logo, este último não deve ser punido. E a segunda exceção está na possibilidade de o parlamentar ter sofrido perseguição interna dentro do partido político. Nessa hipótese, não ocorre infidelidade do parlamentar, definiu o ministro.

Para Mello, o caso de cada parlamentar "infiel" deverá ser analisado pelo TSE para que seja dada a oportunidade de defesa e a verificação da data em que houve a troca de partido. Deste modo, será o TSE que verificará as condições individuais pelas quais cada parlamentar abandonou o partido, determinando a perda ou não do mandato. O tribunal teria que editar uma resolução para regulamentar o assunto.

Nos processos analisados ontem, apenas um dentre os 23 "infiéis" abandonou o partido após a decisão do TSE. Foi a deputada Jusmari Terezinha. Ela se desfiliou do DEM, em 28 de março de 2007, um dia depois da decisão do TSE. Foi para o PR. Por isso, a ministra Cármen Lúcia, relatora do mandado de segurança do DEM, afirmou que o caso dela deverá ser verificado pelo TSE, onde a deputada poderá se defender. Essa defesa se dará tanto com relação à data de desfiliação - o advogado de Jusmari diz que ela foi multada pelo DEM por desfiliação em 1 de março -, quanto com relação à eventual perseguição da deputada ou de mudança de orientação programática pelo partido.

Cármen Lúcia ressaltou que o parlamentar eleito não pode exercer seu mandato fora dos quadros partidários: "Se o eleito pudesse se afastar do partido, um dia depois das eleições, de nada teria valido a exigência prévia de filiação partidária. Seria fraude eleitoral. A eleição é o ponto de partida, não o de chegada".

Cezar Peluso criticou a idéia de a Câmara votar um projeto de anistia aos parlamentares que trocaram de partido para contornar a decisão do STF. "Um mínimo de seriedade e de responsabilidade, que se pressupõe das autoridades e dos políticos, não me permite tomar como verdadeiras algumas notícias que vi nos jornais de hoje (ontem)", disse ele, sobre a proposta de anistia.

Celso de Mello fez duras críticas ao troca-troca. Ele afirmou que a mudança de partido "sem uma razão legítima" viola o sistema proporcional das eleições. O ministro ressaltou que o candidato é eleito por causa do coeficiente partidário. "Quando o eleitor vota, o faz primeiro no partido e depois no candidato." Para Mello, o troca-troca partidário tem conseqüências sérias: desfalca a representação dos partidos no Congresso, frauda a vontade do eleitor, viola o exercício da oposição - que sofre mais trocas do que o governo - e, com isso, cria um "desequilíbrio de forças no Parlamento".

Mello qualificou a infidelidade partidária como um "desvio ético e político". Segundo ele, ao trocar de partido, o parlamentar estaria não apenas prejudicando a legenda pela qual se elegeu, mas ferindo a intenção do eleitor. "A transferência do candidato eleito de um partido para outra legenda configura transgressão por infidelidade aos vínculos que se estabelecem de um lado entre o candidato e o partido e de outro entre o eleito e o cidadão."

Após o voto de Mello, houve intensos debates entre os ministros. Eros Grau, relator do mandado de segurança do PPS, afirmou que gostaria de ver cumprida a fidelidade partidária, mas ressaltou que não poderia determinar a perda de mandatos, sem dar o direito de defesa aos parlamentares. Ele desafiou os outros ministros. "Eu pergunto desafiadoramente: onde está escrito na Constituição ou em qualquer lei que o cancelamento de filiação partidária, ou a transferência de um candidato para outra legenda, constitui-se renúncia tácita?" O ministro Marco Aurélio Mello respondeu: "No artigo 26 da Lei 9.096". "Vou ler o texto: perde automaticamente a função ou o cargo que exerça o parlamentar que deixar o partido pelo qual foi eleito", continuou Marco Aurélio. "Mas ele não perde o mandato. Perde o cargo", rebateu Eros, referindo-se aos cargos em comissões.

Lewandowski disse que houve mais de mil trocas de partidos desde 1985, na média de 28,5% de trocas por legislatura. "Logo, a se levar o entendimento do TSE, eles teriam exercido o mandato de forma ilegítima", continuou Lewandowski. E assim as votações destes parlamentares, inclusive de emendas à Constituição, seriam prejudicadas. Barbosa afirmou que a Constituição não admite a perda de mandato decorrente de infidelidade partidária. "Por mais que eu comungue dos anseios generalizados em prol de uma moralização da vida política do país, não vejo como fazê-lo nos termos da impetração", disse Barbosa.