Título: Maioria governista segue inalterada
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2007, Política, p. A10

A decisão tomada ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) vale menos em relação ao que já passou e mais diante das possibilidades que abre para o futuro. Em sua maioria, os interesses imediatos em causa foram atendidos: a maioria constituída pelo governo com base no troca-troca partidário está mantida, pelo menos em relação à Câmara; os partidos saíram fortalecidos com a interpretação de que eles são o vínculo indispensável entre o eleitor e a representação, e os 23 deputados ameaçados de perder o mandato foram beneficiados com a fixação de uma data de corte para a revisão da jurisprudência do Supremo. Mas as oposições foram as grandes vitoriosas com o entendimento do STF de que o que deve prevalecer no exercício dos mandatos é a vontade expressa nas urnas.

No atual equilíbrio de poder legislativo, a decisão interfere pouco ou quase nada. O governo, principal beneficiário das 46 trocas partidárias ocorridas neste ano, constituiu uma sólida base de apoio na Câmara, cujo percentual médio de fidelidade, até setembro, foi de 55,75%, segundo tabulação de 40 votações, até setembro, feita pela empresa de consultoria Arko Advice. Entre elas votações polêmicas como a que prorroga o imposto do cheque (CPMF). Índice que pode até melhorar, diante do novo paradigma de fidelidade partidária delineado no Supremo. A situação no Senado também pouco ou quase nada se altera em relação ao governo: é delicada.

O Palácio do Planalto há algum tempo tenta encorpar sua base de sustentação política entre os senadores, mas reconhece que dificilmente terá poder de fogo para construir uma maioria de 49 votos, necessários para aprovar projetos de emenda à Constituição, como é o caso da CPMF. Estará de bom tamanho se chegar a 45, o que lhe permitirá, entre outras coisas, acelerar prazos de tramitação das propostas. No caso específico do imposto do cheque, o convencimento entre os conselheiros do presidente da República é de que o governo terá de negociar com a oposição, especialmente com o PSDB, os votos restante para aprovar a medida - prorrogação da cobrança até o ano de 2011.

Entre as questões em aberto com a decisão do STF está a situação dos senadores que trocaram de partido. Ao contrário dos deputados, na qual a votação dada aos partidos é fundamental para a definição do tamanho das bancadas, o voto no senador é majoritário. Há uma ação específica no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o assunto, mas desde ontem a expectativa, também em relação a esse julgamento, é que os partidos saiam fortalecidos. No prazo delimitado pelo Supremo, apenas dois senadores trocaram a oposição (Democratas) por partidos da base governista - César Borges, que foi para o PR, e Romeu Tuma, para o PTB.

A decisão do Supremo protege as oposições. Ela acabou com a "portabilidade" dos mandatos, ao afirmar que a troca de partido muda o resultado das urnas fora do processo eleitoral, nos termos dos votos dos ministros Celso de Melo e Carmen Lúcia. Os ministros não hesitaram em classificar o troca-troca como uma "fraude" às eleições, pois altera a proporção das bancadas partidárias em relação àquelas determinadas pelo voto. Na atual legislatura, o PPS - um dos autores das ações julgadas ontem - é exemplo.

Na eleição de outubro de 2006, o PPS, o herdeiro do antigo Partido Comunista Brasileiro, elegeu 22 deputados federais, o que lhe assegurou uma representação de 4,28% da Câmara. Decorrido um ano, o PPS está com 13% deputados, ou seja, sua representação caiu quase pela metade e hoje é de apenas 2,53%. O mesmo ocorre em relação aos dois outros partidos que reclamaram a devolução dos mandatos - o PSDB, cuja representação na Câmara caiu de 12,86% para 11,30%, e o DEM, o antigo PFL rebatizado de Democratas, cuja representação baixou de 12,67%, determinada pelas urnas, para 11,50% depois da razia de cooptação em seu território.

No dia em que o Supremo Tribunal Federal estabeleceu a primazia dos partidos sobre os mandatos, uma decisão considerada história, apenas a cúpula do DEM compareceu em peso ao julgamento. As duas gerações, representadas por Jorge Bornhausen (SC) e Marco Maciel (PE), entre aqueles que estavam na fundação do PFL, e Rodrigo Maia (atual presidente), Ônix Lorenzoni (RS), líder da bancada na Câmara, e o deputado José Carlos Aleluia (BA), de uma geração intermediária. Roberto Freire, presidente do PPS, acompanhou na qualidade de advogado da causa. Os grandes ausentes foram os tucanos do PSDB. Justificativa: tiveram de viajar para tratar das filiações partidárias daqueles que devem se candidatar em 2008.

O DEM não lamentou a decisão do Supremo em considerar protegidos os mandatos de seus oito deputados que trocaram de partido antes da decisão do TSE. Segundo o deputado José Carlos Aleluia, "o que passou passa a ser insignificante diante das perspectivas futuras". As oposições, segundo o deputado, começaram a votação da prorrogação do imposto do cheque com 117 votos - corriam o risco agora de encerrá-la com algo em torno de 87 votos. Para o líder do PSDB na Câmara, Antonio Carlos Pannunzio (SP), a decisão "contribui para o aperfeiçoamento do processo político-eleitoral". Deve servir inclusive como guia para a mudança na legislação que até agora a Câmara se recusou a patrocinar, o que está na origem da decisão de ontem do Supremo Tribunal Federal. Ele também aposta na melhora dos usos e costumes nas relações políticas, seja internamente, no Congresso, seja na relação o governo federal.