Título: Mercosul e UE acenam acordo para fim do ano
Autor: De Davos, Suíça
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2005, Internacional/especial, p. A9

Diferentemente dos impasses vividos na constituição da Alca, o Brasil e a União Européia deram em Davos um novo ímpeto político para que a negociação do acordo de livre comércio Mercosul-UE ser concluída até o final do ano - o que daria vantagem competitiva para as empresas européias em relação às americanas no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A negociação será retomada em março, numa reunião ministerial em Bruxelas, com base nas ofertas melhoradas. Se elas forem o que efetivamente a UE acenou, o Mercosul pode aumentar - através das cotas - as exportações agrícolas em US$ 1,3 bilhão de uma só vez, em vez dos US$ 130 milhões por ano ao longo de dez anos, conforme se previa na oferta formal de outubro do ano passado. O novo ímpeto na negociação birregional foi resultado de reunião entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o atual presidente da Comissão Européia, o português Durão Barroso. Barroso destacou por mais de uma vez que o acordo Mercosul-UE tem interesse estratégico. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, tratou de fazer uma análise, sem fazer inteiramente um vínculo entre a negociação regional e a Rodada Doha, na Organização Mundial de Comércio (OMC) - sem ignorar, porém, que a conexão existe. Foi a vez de o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, entrar na discussão e deixar claro que se está perdendo tempo. Argumentou que a Rodada de Doha tanto pode demorar um, como dois, cinco anos ou nem acabar. Mandelson sabe do que fala. Ainda mais que neste começo de fevereiro a UE está voltando a dar subsídios à exportação de trigo, ao invés de cortar mais, como deve ser a tendência pela rodada da OMC. O principal negociador europeu para o Mercosul, Karl Falkenberg, detalhou as pendências entre os blocos, dando ênfase à oferta considerada tímida do Mercosul para maior exportação de carros europeus e para a área de serviços. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, retrucou que o Brasil está flexibilizando o monopólio de resseguros e fará concessões na área financeira. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comercio Exterior, Luiz Fernando Furlan, martelou a importância do acordo. Lembrou que, mesmo se a Rodada Doha for bem-sucedida, a liberalização vai ser escalonada em até dez anos. Já o acordo com a UE vai ter efeito imediato para os exportadores dos dois blocos. Durão Barroso destacou então que Mercosul-UE será o maior bloco comercial do mundo e abrirá canais recíprocos de investimentos. O presidente Lula reconheceu que o acordo birregional fortalecerá institucionalmente o Mercosul. Foi então que Barroso jogou na mesa sua proposta de acelerar a negociação para terminá-la até o final do ano. Lula aceitou, dizendo que está disposto a acabá-la "o mais rápido possível". Em outubro, quando tentava conseguir pelo menos um acordo-quadro com o Mercosul, a UE acenou com concessões agrícolas. Por exemplo, deixar com o Mercosul a administração das cotas, o que daria receita mais alta para o exportador. Como contrapartida, quer proteção adicional de indicação geográfica para certos produtos europeus. Além disso, Bruxelas aceitava dar, de uma só vez, toda a cota de 75 mil toneladas de frango, a primeira parcela da cota de carne bovina de 60 mil toneladas, 30 mil toneladas de banana, 400 mil/t de milho e 120 mil/t de trigo, por exemplo. Em comparação, o Brasil reclamava que, na proposta escrita européia, o o setor de carne bovina só poderia exportar 2.400 toneladas por ano pela cota. Na avaliação de uma alta personalidade européia presente em Davos, o acordo Mercosul-UE não saiu em Lisboa em outubro do ano passado porque o Brasil não conseguia definir sua agenda comercial, ou seja, se fazia antes acordo regional ou só paralelamente com a negociação da OMC. Na defensiva, o ministro Celso Amorim disse a jornalistas que o Brasil não assinou o acordo "porque o preço era caro demais para o que era oferecido". (A.M.)