Título: Brasil e EUA conversam, mas impasses continuam
Autor: De Davos, Suíça
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2005, Internacional/especial, p. A9

Brasil e Estados Unidos voltaram a constatar ontem dificuldades para superar o impasse e retomar a negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) após oito meses de interrupção por causa de divergências nas áreas de agricultura e de propriedade intelectual. Um encontro de mais de uma hora entre o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e o futuro secretário-adjunto de Estado americano, Robert Zoellick, quebrou o gelo entre Washington e Brasília ontem em Davos, estação de esqui suíça que ontem ao meio-dia marcava 15 graus abaixo de zero. Mas não houve conclusões, a não ser a de que há divergências entre as partes. Uma nova reunião foi marcada entre o brasileiro Ademar Bahadian e o americano Peter Allgeier, para os dias 23 e 24 em Washington "sem prejulgar resultados". Em Davos, os EUA voltaram a receber friamente a proposta brasileira de negociar pelo formato "quatro mais um", entre o Mercosul e os Estados Unidos, para tratar de acesso aos mercados. Ou seja, os dois lados sentariam e discutiriam produtos, o que cada um oferece em agricultura, indústria e serviços. Para o Brasil, isso ajudaria a chegar mais facilmente a um acordo sobre as regras a serem seguidas, já no contexto geral da Alca com os 34 países participantes. "Na nossa visão, isso ajuda a retomada da Alca", disse Amorim. "Daria para ver onde está o bife", ou seja, onde se vai ganhar mais acesso. "Mas será bastante duro sair desse impasse, porque essa é uma mensagem que não conseguimos passar para os americanos, eles acham que estamos em outra perspectiva", comentou Bahadian, também cônsul em Buenos Aires, que abandonou suas férias no Rio de Janeiro para acompanhar uma reunião de pouco mais de 60 minutos nos Alpes suíços e voltar à capital carioca. A negociação está parada desde maio do ano passado, segundo o Itamaraty, por força de dois bloqueios potenciais: retrocesso agrícola americano e nova proteção neo-conservadora de Washington para produtos farmacêuticos, o que dificultaria a produção de genéricos no Brasil. No caso da agricultura, os americanos apareceram naquela ocasião com um novo cronograma de corte de tarifas, na qual deixavam os produtos de maior interesse exportador brasileiro, como suco de laranja, açúcar e fumo, na categoria de cota (restrição quantitativa) por tempo indefinido. Ou seja, fora da liberalização esperada normalmente numa área de livre comércio. Segunda surpresa, na avaliação do Itamaraty, foi o endurecimento americano na exigência para ter regras de direitos de propriedade intelectual mais rigorosos que o atual acordo da OMC. A conseqüência é que a indústria farmacêutica americana teria proteção maior para suas patentes. Além disso, introduziram o conceito de retaliação cruzada. Ou seja, se os EUA julgassem que o Brasil não fazia combate adequado à pirataria, poderiam impor retaliação comercial contra o pais em outro setor, por exemplo, aumentando tarifas sobre produtos agrícolas brasileiros. Na conversa com Zoellick, ontem, num elegante hotel de Davos, Amorim chamou a atenção para o fato de que o risco de retaliação cruzada existe também para os EUA. Assim, o Brasil poderia estar numa situação em que, numa briga por causa do aço, quisesse retaliar bloqueando remessas de lucros de produtores de filmes. "Nos dois lados há desejo de ir adiante, mas não é fácil para fazer (a negociação) porque Brasil e EUA são países grandes e têm interesses sensíveis", reiterou Amorim. "Mas tudo está na mesa". Para Zoellick, apesar dos prazos que são perdidos, "a Alca certamente não está morta". Zoellick deixa o cargo de principal negociador comercial americano. Mas, uma vez instalado no Departamento de Estado, ele visivelmente terá uma função-chave na área comercial. Seu sucessor deve ser conhecido nos próximos dias.(A.M.)