Título: Pobreza cai mas favelas crescem em Buenos Aires
Autor: Rocha , Janes
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2007, Especial, p. A18

A recuperação pós-crise e o forte crescimento econômico da Argentina nos últimos cinco anos embutem um paradoxo. Ao mesmo tempo em que a pobreza caiu pela metade, o número de favelas na capital, Buenos Aires, está crescendo - e a população que vive nestes assentamentos quadruplicou, atingindo hoje cerca de 35 mil famílias. Não há estatísticas oficiais sobre o perfil dos moradores das favelas, mas organizações e analistas que acompanham o tema da pobreza no país estimam que a maioria dessa população é de migrantes das regiões mais pobres do Noroeste argentino, e uma grande parte, algo como 40%, é de estrangeiros, principalmente paraguaios, bolivianos e peruanos.

Tanto os migrantes quanto os estrangeiros chegam a Buenos Aires atraídos exatamente pelas oportunidades de trabalho criadas pela expansão econômica, da qual a capital do país é a área mais beneficiada. Para os estrangeiros, além do trabalho eles buscam a facilidade do mesmo idioma e o acesso a serviços públicos essenciais (hospitais, escolas, transporte) que não têm em seus países de origem. "Há um crescimento notório de favelas em Buenos Aires porque aumentou a pobreza em outras províncias e nos países vizinhos, de onde vêm muitos estrangeiros atraídos pelos programas sociais", afirma Albertina Maranzana, advogada da Associação Civil pela Igualdade e Justiça (Acij), uma ONG que atua junto a seis favelas da cidade, na proteção aos direitos dos moradores.

São pessoas como Felix Romero, um paraguaio de 32 anos, que vive há dois anos em Buenos Aires. Ele saiu de Salto de Guayra, um povoado que fica na fronteira com o Brasil, para ser cozinheiro num restaurante de comida mexicana, no finíssimo bairro da Recoleta. "Vim à procura de trabalho e dinheiro. Aqui tem muito emprego e oportunidade", disse ele ao Valor. Romero mora com dois irmãos, uma cunhada, uma agregada e a sobrinha de quatro anos, filha da irmã Sofia, que também deixou o Paraguai há dois meses para trabalhar como doméstica em Buenos Aires.

Eles moram na Villa 31, uma favela que fica muito próxima ao centro da capital argentina, ao lado da Estação Rodoviária de Retiro, a pouco mais de mil metros da Calle Florida. Sua casa, um imóvel de alvenaria sem acabamento, com dois andares construídos precariamente, é alugada de uma boliviana, que lhes cobra 450 pesos por mês. Com outra família paraguaia, eles dividem essa casa apertada, com apenas um banheiro para uso de oito pessoas.

A Villa 31 não é diferente das favelas brasileiras. Ruas estreitas, sem calçamento e um emaranhado de fios e cabos aéreos de eletricidade e telefone, que paira sobre a cabeça das crianças e adultos que andam por ali. Parte da fiação é "oficial", colocada pelas companhias de serviços públicos. Parte são os famosos "gatos", extensões puxadas pelos próprios moradores. Em outra favela, a Villa Soldati, na periferia sul, a quase uma hora de distância do centro, a paisagem é a mesma. Traficantes de drogas dominam a área e impedem a entrada da polícia. Circular por ali, principalmente à noite, não é recomendável.

A Villa 31 é até um local "privilegiado", se é que existe algum privilégio em favelas. É que, por ser muito central, chama mais a atenção da mídia e do governo da cidade, que mantém diversos programas sociais em atividade na área. Além disso, seus moradores estão muito próximos dos locais em que geralmente trabalham e são bem servidos pelo transporte público da cidade.

A líder comunitária de Villa 31, Nelly Benitez, conta que, no último ano, chegaram muitos novos moradores à favela, principalmente paraguaios, bolivianos e peruanos, que se juntaram a uma grande quantidade de argentinos que vieram de outras províncias. Nunca foi feito um censo da população que mora ali, diz Benitez, mas ela acha que a quantidade de estrangeiros é mais ou menos igual à de argentinos. "Nosso país é muito aberto e generoso. Os programas sociais de ajuda financeira, restaurantes populares e outros são acessíveis a todos, argentinos e estrangeiros, que vivem aqui", diz Benitez.

O governo da cidade de Buenos Aires reconhece oficialmente a existência de 14 favelas. Mas a Acij aponta a existência de outros dez assentamentos na periferia, que o governo não reconhece e, portanto, não atende.

Para o economista Ernesto Kritz, especializado nas áreas trabalhista e social, o crescimento das favelas é um dado menor na questão da pobreza na Argentina. Para ele, o mais importante é que a pobreza está concentrada na população que vive na informalidade e não tem acesso aos benefícios gerados pelo crescimento do Produto Interno Bruto do país - trabalho registrado, direito a aposentadoria, acesso a serviços públicos, crédito e a moradia regular.

Ele explica que, embora o emprego e os salários tenham aumentado de fato nos últimos cinco anos, a melhoria se dá na economia formal, entre os trabalhadores registrados, principal-mente os sindicalizados, que obtiveram crescimento real de sua renda nos últimos quatro anos.

"O problema é que 40% da população ocupada na Argentina está na informalidade, não têm cobertura nenhuma e agora também está sendo penalizada pelo aumento da inflação", disse Kritz. Há uma grande discussão atualmente no país sobre a manipulação dos indicadores nacionais e, para este especialista, se considerado a inflação real calculada pelos analistas independentes, o índice de pobreza seria de 28,3% e não de 23,4%, como divulgou o governo no fim de setembro.

"O desafio no curto prazo é frear a inflação. No médio prazo, é diminuir a informalidade, que se ataca melhorando a capacidade de pagamento das pequenas e micro empresas, onde está concentrado o emprego informal", afirma Kritz. Para ele, falta na Argentina um sistema como o Simples brasileiro, para reduzir a carga tributária e de encargos sociais incidentes sobre as micro e pequenas empresas.