Título: Sucessos e fracassos do Chile
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2005, Opinião, p. A11

Após 25 anos do início de um processo sustentado de crescimento econômico, o Chile é, hoje, um país irreconhecível, e que nos surpreende cada vez que o visitamos. Por um lado, existe a realidade dos dados macroeconômicos: o Produto Interno Bruto é, atualmente, três vezes maior do que em 1979, tendo crescido a ritmo constante, com anos de crescimento superior a 12%. As exportações passaram de US$ 3,8 bilhões para US$ 32 bilhões, e a taxa de investimento consolidou-se, desde 1988, em níveis superiores a 20% do PIB, atingindo em alguns anos mais de 27%. Devido a tal desempenho, e à racionalidade com que age, obteve um reconhecimento internacional que o coloca muito acima do lugar que lhe corresponderia pela dimensão do país e da economia. Por outro lado, o que vemos é uma capital moderna e limpa, e um país em construção, com estradas impecáveis por onde quer que se ande. Finalizando, há a transformação e evolução dos grupos sociais, alguns vencedores, outros não. Os principais beneficiários foram os grandes empresários e o setor da classe tradicional, que se adaptou à dinâmica e à modernidade do processo chileno. Hoje, o país dispõe de uma estrutura de corporações nacionais de primeiríssimo nível, superadas na região somente pelas do México e do Brasil, mas muito mais sólidas, importantes e projetadas internacionalmente do que as da Argentina, Venezuela ou de qualquer outro país da América Latina, ainda que com economias, população e recursos muito superiores aos do Chile. Esse setor foi - e ainda é - um fator de impulso para toda a economia do país. Entretanto, a sua força se apoiou, até agora, na exploração de recursos naturais e produtos primários, ou nos serviços para consumo interno: instituições financeiras, comércio ou fundos de pensão. Ao lado desse setor, há uma camada da classe média alta e grupos tradicionais (10% ou 15% da sociedade), que aderiram ao projeto daquele, vendendo-lhe apoio logístico e serviços, e que tiveram, também, uma evolução e um progresso espetaculares, adquirindo um nível de vida que faria inveja a seus pares em países desenvolvidos. Também há uma outra parte da classe média que conseguiu entrar no jogo (cerca de 30% da população): executivos e funcionários de todas aquelas estruturas e empresas que participam do projeto, e os operários das indústrias mais dinâmicas que, com sacrifício e em um plano muito mais modesto, puderam evoluir, comprar uma casa, mesmo que pequena, um automóvel e outros elementos de conforto.

O país dispõe de uma estrutura de corporações nacionais de primeiro nível, superadas na região somente pelas do México e do Brasil

Há aproximadamente outra metade da sociedade que recebeu pouco dessa festa. Obviamente, é a camada inferior da pirâmide: as populações rurais, os operários das minas e de outras indústrias em setores geográficos ou atividades marginais. Entretanto, a sua condição melhorou sensivelmente, em comparação ao período em que costumavam viajar em massa para a Argentina à procura de emprego (seria tecnicamente impossível que não fosse assim em um país que duplica o seu PIB em 15 anos). Também eles têm hoje emprego e um Estado que evoluiu, e que tem melhorado os serviços públicos e, principalmente, a infra-estrutura. Mas também não há dúvida que a sua participação nos benefícios ficou atrás em relação aos demais setores da sociedade. Temos que admitir que o programa educacional para capacitá-los e a ajudá-los a atingir um patamar mais alto não deu os resultados esperados. O sistema em vigor tende a consolidar o "status quo" social. Essa situação é apontada pelo senador Adolfo Zaldivar, presidente da Democracia Cristã, que, apesar de membro da Concertação - grupo de partidos que levou Lagos à presidência - aparece como principal crítico do atual modelo econômico. Outra dificuldade que se observa no desenvolvimento futuro do Chile é que, até agora, os agentes dinâmicos foram a imaginação e o profissionalismo que os setores empresários chilenos colocaram no valor dos produtos do país -fruticultura, vinhos, pesca, papel e madeira, mineração. O problema é passar para um degrau superior: transformar-se em uma sociedade que possa vender para o mundo serviços ou produtos industriais mais sofisticados. Outro desafio pendente, e que o forte crescimento econômico não conseguiu resolver, é o marcado contraste sócio-econômico entre Santiago e as outras cidades do país. Apesar disso, sente-se a sensação de que se avança com firmeza e em harmonia para o seu destino. Um fator-chave para que o projeto não tivesse sido interrompido foi o amadurecimento demonstrado pela classe política. Deve destacar-se a convivência entre os grupos de direita, que iniciaram a mudança amparados por uma cruel ditadura militar (e como se vê agora, também corrupta) e a coalizão de centro-esquerda, que está no poder há 15 anos - e lidera as pesquisas para continuar por mais cinco - e que, sem ressentimentos, entendeu e aceitou que o fator fundamental para sustentar o crescimento era manter intactas as condições que estimularam uma alta taxa de investimento. Como conclusão, acredito que o maior sucesso do Chile nesses 25 anos de mudanças, mais do que as conquistas, foi o que impediu que ocorresse. O país conseguiu evitar - devemos recordar que, por momentos, chegou a ter níveis de desemprego próximos a 30% - o nascimento e a consolidação das trágicas e vergonhosas realidades sociais que são as favelas, que flagelam e humilham países como Argentina e Brasil. Essa é, do meu ponto de vista, a maior vitória do Chile. Uma conquista moral, mais do que econômica. E o ponto de contraste mais forte com outros países.