Título: Em meio a incertezas, ministros decidem objetivos do Banco do Sul
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2007, Brasil, p. A2

Guido Mantega: aporte entre US$ 300 milhões a US$ 500 milhões, com capital do BNDES no novo banco Ainda sem definições importantes, como o estatuto que detalhará seu funcionamento e capital, o Banco do Sul, projeto defendido pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ganha contornos mais definidos nesta segunda-feira, em uma reunião de ministros da Fazenda de pelo menos seis países sul-americanos no Rio. Os ministros decidirão os termos da ata de fundação do banco, que será, ainda, aprovada e assinada pelos presidentes de cada país, provavelmente em novembro.

A reunião dos ministros é importante porque compromete os países, entre eles o Brasil, com a fundação do banco e põe fim a uma coleção de disputas de bastidores, principalmente entre Brasil e Venezuela. Como queria Chávez, a sede do banco será em Caracas, capital venezuelana. Como insistiu o Brasil, a futura instituição será apenas um banco de desenvolvimento, sem funções de socorro a país com problemas de balanço de pagamento, como chegou a defender o Equador.

Diferentemente do que desejava Chávez, a participação no Banco do Sul será restrita a países sul-americanos, membros da embrionária União das Nações da América do Sul (Unasul) que deverá reunir os governos do continente. Chávez gostaria que a ação do banco se estendesse a países amigos, como Cuba e Nicarágua, que, com Bolívia e Venezuela, formam a Aliança Bolivariana dos Povos da América (Alba), um bloco político criado pelo venezuelano.

As divergências entre os futuros sócios não acabaram, porém, e serão discutidas hoje e nos próximos dias, durante as negociações para elaboração do estatuto e a escolha do presidente da instituição (já está implicitamente acertado que não será um venezuelano, já que a sede será na Venezuela). O documento a ser decidido hoje pelos ministros, a ata de fundação a ser assinada pelos presidentes, estabelecerá o objeto e as funções do futuro banco, além da futura sede. Entre os pontos polêmicos a serem decididos hoje está o alcance das ações do novo banco.

A Venezuela insiste, por exemplo, em estabelecer que o banco financiará programas sociais - o que implicaria determinar, desde o início, a existência de linhas de financiamento a fundo perdido, bancadas com o futuro capital do banco. O Brasil tem insistido em diluir esse tipo de compromisso, com o argumento de que é necessário, primeiro, garantir a solidez do futuro banco, com operações de mercado, para financiar infra-estrutura e programas de desenvolvimento, ainda que a taxas favorecidas. O BNDES levou algumas décadas para ganhar capacidade de destinar uma pequena parte de seu capital a financiamento de programas sociais, argumenta o governo brasileiro.

O documento a ser divulgado hoje não deverá estabelecer compromissos em relação ao capital que os países destinarão para a formação do banco. É praticamente certo, porém, que ele deverá ter o capital previsto por Chávez, de US$ 7 bilhões, dos quais, porém, apenas uma parte - talvez em torno de 10% desse total - será, de fato, desembolsada pelos países para integralizar o capital do banco, como é usual em instituições do gênero. Todos os sócios terão igual direito de voto, mas não está decidido como será a repartição dos custos de criação do Banco do Sul, outro ponto de atrito.

O ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, em maio, chegou a dizer que o Brasil pensava em fazer um aporte entre US$ 300 milhões a US$ 500 milhões, com capital do BNDES no novo banco. O valor final, segundo informam fontes que acompanham a discussão, poderá ficar bem abaixo de US$ 200 milhões, se for decidido que o capital a ser integralizado ficará, mesmo, em cerca de US$ 700 milhões. Esse e outros temas deverão ser debatidos hoje também pelos ministros.

Chávez argumenta que os países da região já depositam suas reservas em bancos e títulos públicos dos "países do Norte", com remuneração muito baixa, e que seria mais justo e racional aplicar essas reservas em moeda internacional em uma instituição local como o Banco do Sul. O Brasil - e nisso tem apoio de governos como o da Argentina - diz não descartar alguma aplicação de reservas, no futuro, mas que isso dependerá de critérios de segurança bancária e solidez da carteira de aplicações da instituição.

O presidente da Venezuela, que ganhou forte apoio da população de seu país para o projeto do Banco do Sul, tem usado uma retórica agressiva em defesa da novidade, embora, na prática, faça concessões a preocupações dos sócios com o formato da instituição. Em fevereiro, havia anunciado, em memorando assinado com o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, que o banco seria criado em 120 dias, prazo encerrado em junho. Já em abril, o ministro de Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim, declarou que o Brasil não assinaria "contrato de adesão", e que só entraria no Banco do Sul se participasse da discussão de sua estrutura.

Há duas semanas, ao encontrar-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Manaus, Chávez disse, categórico, que fundaria o banco em 2 de novembro, com ou sem o Brasil, e negou que a Venezuela participaria da reunião dos ministros que se realiza hoje. "Está tudo pronto, já fizemos as reuniões que precisávamos fazer", disse. "Já esperamos demais." No encontro com Lula, porém, após ouvir do brasileiro que o Brasil não se oporia a que o Banco do Sul tivesse sede em Caracas, aceitou restringir à Unasul os convites para associar-se à instituição, e confirmou a participação na reunião de hoje.

A assinatura da ata ou documento fundacional do banco do Sul é só um primeiro passo formal na constituição do novo banco e as decisões sobre o estatuto não são mera formalidade burocrática. Os países terão de decidir a estrutura jurídica do novo banco e assegurar a ele status de entidade financeira multilateral, com isenção de impostos e liberdade para o trânsito de moeda estrangeira e conversibilidade de ativos - além de isenções no pagamento de direitos trabalhistas, com garantias para evitar que o banco afunde em demandas judiciais de seus empregados, como já aconteceu com projetos do gênero no continente.

Essas exigências levam autoridades brasileiras a acreditar que, mesmo havendo concordâncias em relação ao futuro Banco do Sul, ele não deve se transformar em realidade antes do próximo ano.