Título: Governo age com incoerência, dizem analistas
Autor: Lamucci, Sergio ; Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2007, Brasil, p. A3

Gustavo Loyola: política fiscal expansionista tira espaço para queda dos juros As ações do governo Lula, especialmente no segundo mandato, evidenciam uma crescente falta de coerência na política econômica, apontam alguns analistas. O Ministério da Fazenda quer que os juros continuem em queda, mas os gastos públicos crescem a um ritmo muito superior ao da inflação, jogando lenha na fogueira da demanda. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defende contratações de funcionários públicos, dizendo que o choque de gestão será feito quando o Estado "contratar mais gente, mais qualificada, mais bem remunerada". O governo eleva as tarifas de importação de calçados, tecidos e confecções para proteger a indústria nacional da concorrência chinesa, o que pode provocar pressões sobre os preços, ainda que localizadas, e contribuir para a valorização do câmbio.

Os economistas mais ortodoxos vêem incoerência principalmente na política fiscal. O ex-diretor do Banco Central José Júlio Senna, sócio da MCM Consultores Associados, critica o ritmo de expansão dos gastos públicos. Desde 2004, diz ele, as despesas totais da União crescem a uma taxa anual de 9% a 10% acima da inflação. De janeiro a agosto deste ano, elas aumentaram 13,32% em relação ao mesmo período de 2006. Num momento em que a economia cresce quase 5% ao ano, seria mais do que desejável que o governo fosse mais comedido em seus gastos, avalia Senna. "O gasto público coloca combustível adicional na demanda."

"É um mix de política econômica inconsistente, formado por uma política fiscal expansionista e uma política monetária relativamente contracionista", diz o ex-presidente do BC Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria Integrada. Para ele, se os gastos públicos crescem excessivamente, em algum momento se torna necessário limitar o crescimento da demanda privada. Para Senna, é apenas uma "questão de tempo" para o BC interromper a trajetória de queda dos juros.

Os dois economistas vêem outros problemas na política fiscal. Um deles é que, como as despesas do governo crescem acentuadamente, não há espaço para a redução da carga tributária - pelo contrário. Para sustentar o apetite fiscal, o peso do sistema de impostos não pára de aumentar, afetando a competitividade das empresas brasileiras. De janeiro a agosto, as receitas do governo central tiveram alta de 12,39% na comparação com o mesmo período de 2006.

Senna aponta outra inconsistência. Com a expansão robusta das despesas correntes, como os gastos com pessoal e aposentadorias, sobra pouco dinheiro para o investimento público. Com isso, o objetivo do próprio governo de elevar os gastos com obras de infra-estrutura, como as previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), fica mais distante.

O coordenador do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Antonio Licha, vê problemas na política fiscal, mas diz que o arranjo institucional brasileiro dificulta a sua solução. Sem uma reforma administrativa, fica muito difícil reduzir despesas com pessoal, diz ele, do mesmo modo como é complicado diminuir gastos com aposentadorias sem uma reforma da Previdência. "São questões institucionais complicadas, que envolvem distribuição de renda entre os diversos setores da sociedade e têm de ser arbitrados politicamente", diz.

O ex-diretor do BC Ilan Goldfajn, sócio da Ciano Investimentos, se mostra preocupado com as reiteradas manifestações de integrantes do governo de que é importante aumentar as contratações de funcionários públicos. Para ele, se essa visão proliferar, o Brasil pode perder vários pontos de crescimento do PIB nos próximos anos. Ao aumentar o número de servidores, o governo cria despesas permanentes. Com isso, os gastos ficam mais rígidos e cresce a pressão por aumentos da carga tributária, diz Goldfajn.

Ele também observa que essa estratégia de "crescimento explosivo" das despesas públicas é possível num cenário em que o Brasil cresce a um ritmo expressivo, beneficiando-se de um cenário externo dos mais favoráveis, com forte expansão da economia global e baixa aversão ao risco. A questão é que o governo deveria aproveitar esse período de vacas gordas e se preparar para um quadro menos favorável no futuro, avalia ele. "Com a economia crescendo, a receita tem acompanhado a expansão do gasto público. Mas e quando a receita parar de crescer?"

O ex-diretor do BC Sérgio Werlang, diretor-executivo do Itaú, mostra desconforto especialmente com aumentos recentes de tarifas de importação de calçados, tecidos e têxteis. Para ele, num país em que a proporção entre as importações e o PIB é muito baixa - "a menor do mundo", segundo Werlang -, colocar barreiras às compras externas não faz sentido, além de introduzir distorções na economia. "A medida fecha ainda mais o país, e não ajuda o câmbio a se desvalorizar, pelo contrário."

Loyola faz coro: "É uma medida contraditória num momento em que muita gente reclama do câmbio. Ela pode aumentar o saldo comercial." Loyola diz ainda que, ao restringir importações, a medida pode resultar em pressões localizadas de preços, ainda que não num processo inflacionário, caracterizado por aumento contínuo e generalizado das cotações. Num quadro em que a demanda está forte e o BC dá sinais de que pode parar a queda dos juros, a medida não seria das mais inteligentes.