Título: Mello quer votar regra para disciplinar perda de mandato em duas semanas
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2007, politica, p. A6

Mello promete rigor do TSE nos julgamentos envolvendo a migração. "Se o parlamentar virar as costas para o partido terá desqualificado o mandato" Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e um dos votos vencedores no julgamento da fidelidade partidária no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Marco Aurélio Mello, tem pressa para efetivar na prática a determinação de que os mandatos dos "infiéis" devem ser concedidos aos partidos pelos quais eles foram eleitos.

Minutos depois da decisão do Supremo, concluída às 23h15 de quinta-feira, Mello baixou portaria do TSE designando o ministro Cezar Peluso para redigir um projeto de resolução destinado a disciplinar o processo de perda de mandato. "Teremos que estabelecer as regras ensejando, como declarado pelo Supremo, o direito de defesa do parlamentar", explicou Mello. Ele pretende votar a resolução num prazo bastante rápido, de duas semanas. E prometeu que o TSE será bastante rigoroso nos julgamentos envolvendo a migração. "Se o parlamentar virar as costas para o partido terá desqualificado o mandato", ressaltou.

O ministro Peluso foi escolhido para ser o redator por ser vice-presidente do TSE e autor de dois votos vencedores na matéria. Primeiro, ele deu o voto condutor no julgamento em que o TSE definiu que os mandatos são dos partidos, em 27 de março passado. Depois, ele votou com a maioria no STF, que decidiu pela mesma orientação. No TSE, o placar foi de 6 votos a 1. No STF, foi de 8 votos a 3.

A resolução do TSE deverá abranger várias questões. Primeiro, o procedimento pelo qual o parlamentar que se desligar de um partido justifica o ato. De acordo com a decisão do STF, a desfiliação é válida em duas hipóteses. Primeiro, se houver perseguição política contra o parlamentar. E, em segundo lugar, se o partido político não seguir as suas orientações programáticas. Neste último caso, o TSE considerou que é o partido, e não o parlamentar, que foi infiel. Segundo os ministros do TSE, o maior exemplo do não seguimento de orientação pelo partido é o desligamento do PT da então senadora Heloísa Helena. Ela foi expulsa do partido, em 2003, porque manteve a orientação histórica do PT contra a reforma da Previdência. Se o caso de Helena fosse julgado, ela seria absolvida. Não perderia para o PT o seu mandato, que transferiu para o P-SOL.

A resolução também deverá tratar do prazo de desligamento. Pela decisão do Supremo, apenas os parlamentares que se desfiliaram depois de 27 de março deste ano correm o risco de perderem os seus mandatos. Este prazo foi estipulado porque foi naquela data que o TSE determinou que os mandatos são dos partidos, e não dos eleitos. Como antes dessa decisão do TSE vigorava o entendimento do STF, dado em 1989, de que os mandatos permaneciam com os eleitos, os ministros consideraram que não poderiam punir quem cumpriu a orientação anterior do próprio STF. Mas, de 27 de março em diante, os parlamentares terão de justificar as desfiliações.

Faltam alguns esclarecimentos quanto ao prazo. A deputada Jusmari Oliveira, por exemplo, se desfiliou do DEM, em 28 de março de 2007, um dia depois da decisão do TSE. Mas, pediu a desfiliação antes, em 22 de março. E foi multada pelo DEM por desfiliação antes disto, em 1º de março. O DEM lhe cobrou R$ 52 mil pela "infidelidade". Jusmari disse que sofreu perseguição e, agora, terá de se defender junto ao TSE.

A decisão do STF deverá provocar uma enxurrada de ações na Justiça Eleitoral. Os vereadores serão processados na 1ª instância. Os deputados estaduais e os distritais de Brasília responderão ao Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). E os deputados federais serão processados no TSE. Estima-se que mais de 5 mil vereadores tenham trocado de partido desde 27 de março deste ano. Agora, todos terão de justificar a troca partidária para se manter no cargo.

De acordo com o voto do ministro Celso de Mello, há duas hipóteses para iniciar os processos de desligamento partidário. Primeiro, o próprio parlamentar pode pedir à Justiça Eleitoral para mudar de partido, justificando a saída. E a segunda hipótese é o partido pedir à Justiça o mandato do parlamentar que o abandonou. A Assessoria da Câmara dos Deputados concluiu, em parecer encomendado pelo presidente da Casa, Arlindo Chinaglia (PT-SP), que a perda não depende apenas de decisão do TSE, mas da própria Câmara. Mas, Celso de Mello enfatizou que o Judiciário é a última instância e, portanto, caberá ao TSE e, se houver recurso, ao STF definir o destino dos mandatos dos parlamentares "infiéis".

Mello foi o condutor, no TSE, dessa nova tendência de maior rigor com os políticos na aplicação da lei. No ano passado, ele inovou ao conduzir o tribunal em avaliações rigorosas às prestações de contas de campanha. E foi sob a condução de Marco Aurélio Mello que o TSE alterou a sua Súmula nº 1, que garantia aos políticos que tivessem candidaturas impugnadas a possibilidade de concorrer pelo simples fato de ingressarem com recurso à Justiça. Conhecido como "voto vencido" no STF, Mello inaugurou uma linha inovadora de impor rigor à classe política no TSE. No julgamento da fidelidade partidária, essa linha ganhou novos adeptos no próprio STF.

Já o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, que alertou, antes do julgamento, para o risco de uma "partidocracia" caso o STF decidisse pela concessão dos mandatos aos partidos, mostrou-se cético após a decisão final. Vitorioso no julgamento do mensalão, onde a sua denúncia foi aceita por ampla maioria contra todos os 40 réus, Antonio Fernando perdeu a causa no julgamento da fidelidade partidária. A assessores comentou que a decisão do STF não irá resolver o problema da fidelidade. Para o procurador-geral, falta uma reforma política mais abrangente no país.