Título: Decisão surpreende especialistas em Direito
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2007, Política, p. A7

A decisão do Supremo Tribunal Federal que ameaça o mandato dos parlamentares que trocaram de partido depois de 27 de março surpreendeu advogados especialistas em Direito eleitoral. Esperava-se que, caso o STF acolhesse o entendimento do TSE, fizesse a decisão valer apenas para os casos futuros.

"Cabe um embargo de declaração, como argumento da defesa do parlamentar atingido", opina o advogado Torquato Jardim, que foi ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entre 1992 e 1996.

Segundo Jardim, "o que houve no dia 27 de março foi a resposta do TSE a uma consulta. Este foi um processo administrativo, ao qual não cabia recurso e nem embargo. O STF mudou a sua jurisprudência, e fixou a data de 27 de março como corte. Como pode um processo administrativo modificar uma decisão judicial definitiva do STF que era de outubro de 1989? Só o STF pode mudar uma decisão definitiva do STF". O embargo de declaração é um instrumento jurídico por meio do qual uma parte pede esclarecimentos sobre uma decisão já definitiva.

Para Ricardo Penteado, advogado do governador de São Paulo José Serra (PSDB) nas eleições de 2002, 2004 e 2006 e do candidato derrotado à Presidência da República, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), na eleição do ano passado, a decisão pode levar "a uma judicialização completa da questão política", já que a decisão de ontem não é auto-aplicável.

Caberia ao partido que perdeu o parlamentar ou o expulsou avaliar se entra ou não na Justiça para reaver o mandato. E caberá ao atingido provar que é alvo de perseguição política ou que está sendo retaliado por questões de consciência. "O Judiciário vai ser chamado a se manifestar sobre questões internas partidárias. Caberá à Justiça dar atestados ideológicos para distinguir qual troca de partido é válida e qual não é", afirma Ricardo Penteado.

Há, entretanto, avaliações divergentes. Advogado de Aloizio Mercadante e José Genoino, candidatos derrotados do PT ao governo estadual em 2002 e 2006, Hélio Freitas Silveira afirma que há excesso de formalismo nas críticas: "O Judiciário há muito tempo vai muito além da mera interpretação da lei. Esta é a possibilidade de se refazer o sistema político e isto é positivo".

Segundo Silveira, o Judiciário poderá observar apenas os aspectos formais quando for julgar a saída de um parlamentar da sigla, como por exemplo se houve garantia de plena defesa e de cumprimento de prazos regimentais. "Não há porque acreditar que o Judiciário irá se imiscuir no debate político interno", diz.

O advogado opinou que a decisão do STF abre caminho para um processo de fortalecimento das cúpulas partidárias em detrimento da base, já que, em tese, um parlamentar que descumprir uma determinação partidária poderá, em última instância, ser expulso e perder o mandato. "Necessário haverá maior identidade entre base e cúpula. Os projetos no Congresso passarão a ser negociados no atacado, e não no varejo, como é hoje", supõe Silveira.