Título: Técnicos querem estender regras da LRF a outros poderes
Autor: Izaguirre , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2007, Brasil, p. A4

Autoridades e técnicos orçamentários dos três níveis de governo se mobilizam para dar início a um debate nacional que pressione legisladores a rever a relação do Poder Judiciário e do próprio Poder Legislativo com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O documento preliminar que resultou do 1º Seminário Nacional de Orçamento Público, a que o Valor teve acesso, denuncia claramente o "não cumprimento pelos demais poderes (que não o Executivo) das regras constantes na Lei de Responsabilidade Fiscal e outros normativos, no que se refere a limites para os orçamentos e despesas".

"Esse é um problema generalizado, que atinge todas as instâncias da Federação", afirma o secretário de Planejamento do governo gaúcho e ex-titular da Secretário de Orçamento Federal (SOF), Ariosto Antunes Culau. Ele foi um dos palestrantes do seminário, ocorrido na semana passada, em Brasília. Seja na esfera federal, seja no âmbito dos Estados e municípios, o ônus dos cortes e contigenciamentos de gasto, quando necessários para atingir as metas fiscais, costuma recair quase que exclusivamente sobre o Poder Executivo. Mesmo nas situações em que a lei exige, os demais poderes resistem em participar do esforço de ajuste, diz Culau.

Até o fim deste mês, um novo e mais denso documento deverá ser produzido como fruto do seminário, cujas discussões vão prosseguir, à distância, via internet, informa a atual titular da Secretaria de Orçamento Federal, Célia Corrêa.

Com base nesse texto, por sua vez, serão elaboradas e apresentadas ao Ministério do Planejamento propostas de medidas legais. Não se sabe ainda se serão necessários apenas anteprojetos de lei ou também de emenda constitucional. Independentemente do formato jurídico, o que o documento preliminar do seminário propõe é a "responsabilização solidária dos poderes na elaboração e execução dos orçamentos".

Isso implica, no entendimento dos participantes, estabelecer sanções aos chefes dos poderes e instituições em caso de descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Atualmente, só são punidos membros do Executivo.

Um exemplo da resistência de outros poderes em participar do esforço de ajuste fiscal ocorreu em março deste ano, na esfera federal. Seguindo rigorosamente o que manda a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias da União, o Ministério do Planejamento comunicou ao Legislativo, Judiciário e também ao Ministério Público que eles deveriam contingenciar, isto é, bloquear, a execução de R$ 1,2 bilhão de dotações previstas em seus orçamentos para 2007. Tratava-se de uma exigência legal diante da reavaliação, então mais pessimista, sobre o comportamento das receitas orçamentárias.

Pouco tempo depois, quase todo esse corte teve que ser transferido para o orçamento do Executivo, porque os demais poderes não concordaram em assumir todo o ajuste requerido deles na ocasião. Posteriormente, o contigenciamento sobre o orçamento do Executivo Federal em 2007, que inicialmente passou de R$ 16 bilhões, foi parcialmente revertido, mas só porque as previsões de receita apresentaram melhora.

Outro exemplo é a briga da governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), com a Justiça gaúcha. Diante da gravíssima situação das finanças do Estado, um dos mais endividados em relação à respectiva receita anual (2,3 vezes), ela tentou um acordo para que cada poder recebesse, no projeto de orçamento estadual para 2008, verba inferior à de 2007.

Conforme Ariosto Culau, o Judiciário foi o único a ter aumento de verba, de 4%. Ainda assim, não ficou satisfeito e recorreu ao Supremo Tribunal Federal. Com base no preceito constitucional de independência entre os poderes, o STF concedeu liminar ordenando ao governo estadual que acrescentasse, no projeto orçamentário, mais R$ 78 milhões para o Judiciário do Estado, o que eleva para 13% o aumento de verbas em relação a 2007, segundo Culau.

Os técnicos e autoridades que participaram do seminário em Brasília avaliam que a falta de compromisso com a LRF tem levado a um "crescimento desproporcional do custo do orçamento dos Poderes Legislativo e Judiciário". No Rio Grande do sul, por exemplo, enquanto o orçamento do Executivo cresceu nominalmente 73,9% na comparação dos anos 2000 e 2006, o do Judiciário aumentou 145,8%, informa o secretário de Planejamento. Essa variação foi superior inclusive à da receita corrente líquida, que subiu perto de 100% no mesmo período.

Os participantes do seminário, que representaram oficialmente as administrações públicas das três esferas envolvidas na questão, acham que a origem do problema está em deficiências do próprio arcabouço legal do país, que concentra nos governantes as punições por eventuais descumprimentos de metas fiscais. Eles alertam para a "inexistência de sanções para o descumprimentos das regras" fiscais, quando se trata de integrantes de outros poderes que não o Executivo.

Também falta, na opinião deles, uma definição clara do conceito de autonomia orçamentária e financeira dos poderes. Essa ausência de clareza é o que abre espaço para descumprimento de limitações de despesas que o Executivo tenta, na maioria das vezes sem sucesso, fazer valer para o Judiciário, Legislativo e Ministério Público, com base na Lei de Responsabilidade Fiscal e nas leis de diretrizes orçamentárias.