Título: Os benefícios e os riscos dos recordes da indústria
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2007, Brasil, p. A12

Nunca a indústria brasileira produziu tanto quanto em agosto. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), naquele mês a produção industrial cresceu, descontadas as influências sazonais, 1,3% em relação a julho e 6,6% quando comparada ao mesmo mês do ano passado. De janeiro a agosto, avançou 5,3%, um ritmo superior ao da expansão acumulada até junho (4,8%) e julho (5,1%), o que indica aceleração.

Os dados mostram que o setor da indústria que mais cresce é o de bens de capital (máquinas e equipamentos) - em agosto, houve alta de 4%, em termos dessazonalizados, face a julho, um resultado bem superior à média da indústria como um todo (1,3%). Quando comparada com o mesmo mês de 2006 a produção de bens de capital avançou, em agosto, impressionantes 21%, com destaque para automóveis (17,5%) e outros equipamentos de transportes (24,5%).

O aumento da fabricação de máquinas e equipamentos indica que as empresas estão investindo para aumentar a capacidade de produção e, assim, atender à expansão da demanda. Trata-se de um indicador de confiança na economia brasileira. A indústria faz os investimentos porque acredita que continuará havendo demanda para suas mercadorias a médio e longo prazos.

O aumento dos investimentos e da capacidade produtiva permite a elevação da oferta, o que, por sua vez, reduz as pressões inflacionárias. De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), em agosto o índice de utilização da capacidade da indústria chegou a 83,6%, ou seja, 1,7 ponto percentual acima do resultado de agosto do ano passado. Retirados os fatores sazonais, ficou 0,1 ponto percentual abaixo de julho.

Em tese, diante desse cenário, não há razões para preocupação no fronte inflacionário, o que permite ao Banco Central continuar abrandando a política monetária em suas próximas reuniões. Na verdade, a discussão é mais complexa, porque, se de um lado a produção industrial segue batendo recordes, de outro a demanda interna, estimulada por inúmeros fatores, da expansão do crédito à forte elevação dos gastos públicos, cresce num ritmo superior ao da oferta.

O crescimento da demanda doméstica está hoje em torno de 6,5% ao ano. Na opinião de especialistas como Alexandre Schwartsman, economista-chefe para América Latina do banco ABN-Amro, para diminuir a diferença entre demanda e oferta o volume das importações teria de crescer a uma taxa 20% superior à das exportações, algo que não vem ocorrendo. Decerto, se ocorresse, os números do balanço de pagamentos, um velho fantasma da economia brasileira, não manteriam o brilho atual.

Schwartsman argumenta que o Brasil tem hoje potencial para crescer, sem gerar descontrole inflacionário, cerca de 4% ao ano. Ele estima que, para cada aumento de 10% na produção, o nível de utilização da capacidade cresceria 2,2% e que, para cada incremento de 10% no investimento industrial, a capacidade aumentaria 0,7%. Isto significa que o aumento do investimento no setor industrial teria que ser três vezes superior ao de expansão da produção para evitar a elevação do uso da capacidade da indústria.

O problema é que, como a produção industrial vem crescendo, nos últimos meses, mais de 6% em relação ao mesmo período de 2006 - e 10%, em termos dessazonalizados, do primeiro para o segundo trimestre -, o índice de utilização da indústria deverá crescer nos próximos meses, tornando-se uma potencial fonte inflacionária.

"Olhando para o balanço entre demanda e oferta, estamos convencidos de que já chegamos a uma situação delicada, uma conclusão que parece ser compartilhada pelo Banco Central, uma vez que esse problema foi o centro das atenções do último Relatório de Inflação", advertiu Schwartsman, em conferência telefônica com investidores na semana passada. Para ele, um ex-integrante do Copom, o Banco Central deveria não só interromper a queda da taxa Selic na próxima reunião, mas também considerar a possibilidade de elevá-la em algum momento de 2008. Não é razoável excluir essa hipótese do cenário, mas o fato é que, até agora, os riscos não se configuraram.