Título: TLCs com AL ficam em segundo plano
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Fonte: Valor Econômico, 08/10/2007, Interncional, p. A9

Em seu primeiro mandato como presidente do Peru, nos anos 80, Alan García era um crente de fé inabalável no protecionismo, tendo proibido a importação de automóveis e até de vinho chileno. Mas desde que voltou à presidência, no ano passado, ele abraçou o livre comércio com uma paixão que beira a obsessão. "Mais comércio e mais investimentos significam menos migração, menos pobreza e menos danos ao meio ambiente", disse em Lima, no mês passado, num congresso da OMC. "Poderíamos nos resignar a firmar um acordo de livre comércio só com os EUA, mas para mim isso não basta", disse García, ordenando que seu ministro do Comércio negociasse acordos assim com outros países.

O ímpeto de García deve-se, talvez, ao fato de que, após muito tempo, o acordo comercial do Peru com os EUA, negociado 18 meses atrás, parece perto de ser ratificado por um Congresso americano até agora relutante. Em 27 de setembro, o governo americano enviou projeto de lei nesse sentido ao Congresso depois que a Comissão de Finanças Públicas da Câmara e a Comissão de Finanças do Senado indicaram apoio à aprovação. Embora possam, ainda, surgir obstáculos, os defensores da aprovação acreditam que o acordo será aprovado em semanas. Mas, para os defensores do livre comércio, isso é motivo para escassos aplausos.

As vantagens para o Peru parecem evidentes. García, que quando candidato era cético em relação ao acordo, agora diz que o comércio poderá acrescentar um ponto percentual adicional ao crescimento econômico (que chegou a 8% em 2006). Isso se deve principalmente ao fato de o acordo proporcionar mais segurança aos investidores. A federação de indústrias do Peru estima que poderá injetar US$ 9 bilhões extras em investimento industrial apenas em 2008 e 2009.

Os críticos temem que agricultores, especialmente de milho, algodão e trigo, terão dificuldades para competir com concorrentes americanos subsidiados. Também temem que companhias americanas tentem registrar patentes sobre plantas da região amazônica.

Os defensores do livre comércio têm outras preocupações. Uma década atrás, os EUA e 33 países na América Latina e Caribe esperavam negociar uma abrangente Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Mas o clima mudou. Os democratas, que conquistaram o controle do Congresso americano em novembro, vêm os acordos comerciais com desconfiança, refletindo o temor generalizado de que a globalização tornou mais inseguro manter empregos nos EUA. O Mercosul recuou da participação na Alca em favor da Rodada Doha de negociações comerciais, mas estas também empacaram. Tudo isso acontece num momento em que alguns governos na América Latina, tendo à frente a Venezuela de Hugo Chávez, estão voltando suas costas ao livre comércio.

Outros países negociaram tratados de livre comércio (TLC) bilaterais com os EUA. Mas o governo de George W. Bush tem dificuldade em persuadir o Congresso a ratificá-los: mesmo antes de os democratas assumirem o controle do Congresso, o Acordo de Livre Comércio da América Central (Cafta) foi aprovado por apenas dois votos; ainda aguardam aprovação acordos com Peru, Panamá e Colômbia (e com a Coréia do Sul).

Assim, políticos latino-americanos como García, que vêem o comércio um motor de crescimento, vêm-se apanhados entre a indiferença americana e uma ressurgente esquerda anticomércio no plano interno. Quando esses países negociam TLCs bilaterais, ficam em posição bem mais frágil do que se estivessem unidos numa Alca.

Apesar disso, os democratas insistiram em modificar os TLCs. Em maio, eles fecharam com o governo um acordo pelo qual os TLCs terão de incluir cláusulas para fortalecimento de direitos trabalhistas e o respeito ao meio ambiente e, simultaneamente, abrandar um pouco a proteção de propriedade intelectual (dando maior flexibilidade a medicamentos genéricos). Os democratas dizem que essa foi a única maneira de resgatar um consenso bipartidário sobre o comércio. Alguns economistas comentam que, tendo em vista que países como o Peru já subscrevem muitos desses padrões, sua incorporação formal, ao menos em tese, não será grande problema.

Apesar disso, provavelmente só uma minoria dos democratas votará a favor de algum dos TLCs. Peter Hakim, do Inter-American Dialogue, um centro de estudos em Washington, estima que no máximo 70 dos 232 democratas na Câmara votarão a favor do TLC com o Peru. O acordo com o Panamá deveria ser o próximo na fila. Mas o governo Bush assumiu uma postura negativa frente à recente escolha, para a presidência do Parlamento panamenho, de um político que os EUA acusam de assassinar um americano em 1992.

O TLC com a Colômbia enfrenta obstáculos ainda maiores. A liderança democrata na Câmara recusou-se a apoiá-lo, argumentando que o governo colombiano precisa empenhar-se mais na prevenção de assassinatos de sindicalistas e na punição de autoridades vinculadas a paramilitares de direita. Isso foi um tapa na cara de Álvaro Uribe, presidente colombiano, que tem sido o mais leal aliado de Bush na América Latina. Autoridades colombianas argumentam que seus esforços para fortalecer o império da lei diante da violência dos traficantes de drogas, guerrilheiros e ex-paramilitares serão prejudicados pela não aprovação de um TLC.

Esse é um argumento de peso, e uma objeção a toda a estrutura de acordos comerciais que atualmente em evolução na América Latina. Se os acordos com o Peru e o Panamá forem aprovados, o efeito seria desviar comércio e investimentos da Colômbia. Um recente estudo da EAFIT, uma universidade em Medelin, e da Universidade de Antioquia estima que se o TLC com a Colômbia não for aprovado e os outros forem, o Produto Interno Bruto (PIB) colombiano ficará 2,2% menor e 400 empregos seriam perdidos.

Pelo menos alguns democratas têm consciência de que isso seria um desfecho perverso. Hakim estima haver uma chance de que o acordo com a Colômbia possa ser ratificado no ano que vem - mas apenas se o governo de Uribe tomar medidas adicionais para proteger sindicalistas, e se houver uma percepção de que essas medidas estejam funcionando.

A obstinada abordagem americana ao comércio conquista poucos amigos na América Latina. Isso ficou evidente na Costa Rica, que realizou ontem um referendo para a ratificação do Cafta. Pesquisas mostraram que o resultado será apertado, mas o voto contrário parecia estar em vantagem, no início das apurações. Recentemente, reuniram mais de 100 mil manifestantes contrários em San José, a capital. Embora Óscar Arias, o presidente, insista em que o acordo é vital para o futuro do país, seu governo pode ter jogado pesado demais. No mês passado, um seus vice-presidentes renunciou após o vazamento de um memorando no qual defendia táticas alarmistas, por exemplo, caracterizando adversários como aliados de Chávez.

Se o Congresso dos EUA ratificar os TLCs pendentes, uma rejeição ao Cafta poderá fazer com que a Costa Rica perca empregos - um desfecho que poderá também se aplicar à Bolívia e ao Equador. Toda essa confusão evidencia que acordos bilaterais são apenas uma terceira melhor opção à Rodada Doha ou à Alca. Mas, para os países latino-americano que desejam expandir sua participação no maior mercado importador de manufaturados, os acordos bilaterais são a única alternativa.