Título: Vale privatizada beneficiou 4 milhões de trabalhadores
Autor: Raquel Balarin e Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2007, Especial, p. A14

Os organizadores do movimento "A Vale é Nossa" anunciam hoje o resultado da enquete realizada entre os dias 1º e 9 de setembro em que a principal pergunta era se a Vale do Rio Doce deveria continuar nas mãos do capital privado, sugerindo uma retomada da empresa pelo Estado. Na terça-feira da semana passada, eles comemoravam já ter apurado o voto de 3,6 milhões de pessoas - praticamente o mesmo número de brasileiros que tiveram suas aposentadorias garantidas pela boa valorização das ações da Vale nas bolsas: nos últimos cinco anos, a alta dos papéis preferenciais foi de 781,33%. Esses milhões de brasileiros são associados dos 122 fundos de pensão nacionais que são acionistas da Vale privada.

Outros 352 mil trabalhadores também não têm do que reclamar. Eles aplicaram parte de seu fundo de garantia em ações da Vale e tiveram uma rentabilidade de nada menos que 302,16% no período de três anos encerrado em setembro. Se tivessem deixado seu dinheirinho no FGTS, o ganho teria sido de apenas 16,59%. Só para se ter uma idéia da diferença: quem deixou R$ 5 mil no Fundo de Garantia terminou esse período com R$ 5.829,50. Mas quem decidiu aplicar R$ 5 mil no Fundo Mútuo de Privatização (FMP/Vale) acabou com nada menos que R$ 20.108,00.

Sob o pretexto de que a Vale foi subavaliada e de que é "preciso recuperar o patrimônio de todos os brasileiros", os organizadores do plebiscito se esqueceram de detalhar ao país quem é que controla a mineradora, que no início do mês chegou a ultrapassar o valor de mercado da jóia da coroa estatal, a Petrobras . Do capital ordinário da Vale, 53,3% estão nas mãos da holding Valepar. É essa holding que define a estratégia da companhia, via conselho de administração, e que escolhe a alta cúpula de gestão da mineradora. Em outras palavras, a Valepar é o coração e o cérebro da Vale do Rio Doce.

E quem é a Valepar? São três fundos de pensão, dois deles patrocinados integralmente por estatais - a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil e a Petros, dos trabalhadores da Petrobras - , a empresa de participações do BNDES, a Bradespar (ligada ao grupo que controla o Bradesco) e a japonesa Mitsui. Juntos, BNDESPar e fundos têm 60% do capital votante da Valepar. O capital nacional tem 81,75% das ações ordinárias da holding. A União detém ainda seis ações especiais, as "golden shares", que lhes dá alguns poderes de veto, como mudança do local da sede.

Explicar a composição do capital da Valepar não é só uma questão de mostrar quem tem uma fatia maior. A Valepar tem um acordo de acionistas, válido até 2017, que estabelece quem pode vender para quem suas ações. Foi isso, por exemplo, que permitiu ao BNDES adquirir, no fim de 2003, um bloco de 8,5% da Valepar que estava com o Investvale, clube de funcionários da companhia que participou da privatização. Na época, sob a presidência de Carlos Lessa, o banco pagou R$ 1,5 bilhão e foi amplamente criticado, inclusive pelo então ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan. Lessa se justificou dizendo que a medida evitava que a japonesa Mitsui - que tinha grande interesse nas ações - aumentasse sua participação acima de 25%, o que lhe garantiria direito de veto na holding que controla a Vale do Rio Doce. Para Lessa, a aquisição evitou que a mineradora se transformasse em uma nipo-brasileira.

Hoje, quase quatro anos depois, Furlan dificilmente discordaria de Lessa. Não por conta dos motivos alegados pelo ex-presidente do BNDES. Mas sim pelo retorno obtido nesse período: as ações ordinárias da Vale subiram nada menos que 533% no período. "Ganhamos uma fortuna. O retorno foi altíssimo", diz um diretor do banco que prefere não se identificar, admitindo que o BNDES se mantém firme no propósito de não permitir a ampliação do capital estrangeiro.

Para o diretor do BNDES, a questão do plebiscito sobre a anulação do leilão da Vale é irrelevante. "A Vale não é uma estatal, mas tem um capital público grande e é uma empresa de controle nacional", afirma. Para ele, o que se poderia discutir são maneiras de a empresa dar um retorno maior ao país, como ampliar os pagamentos a municípios e Estados em que tem negócios, especialmente Minas Gerais e Pará. O diretor diz que, para isso, pode ser adotado um imposto de exportação, a exemplo do que ocorre no Chile. Outra sugestão seria o fornecimento de minério de ferro ao mercado local por um preço um pouco mais baixo, para baratear a cadeia produtiva do aço, a despeito de essa medida ter impacto negativo no lucro.

O diretor do BNDES, que é acionista, pode dar suas sugestões. Mas isso não quer dizer que elas serão acatadas pela Vale do Rio Doce. Está aí uma das vantagens no fato de a companhia ter sido privatizada. Hoje, a Vale tem uma estratégia corporativa definida e a persegue, alheia às interferências políticas deste ou daquele partido. Um exemplo foi a tentativa de o BNDES, na época de Lessa, de tentar que a Vale assumisse posições majoritárias em grandes projetos siderúrgicos. O conselho da companhia manteve a estratégia de participação minoritária e não se desviou do objetivo, a despeito das pressões. Em uma estatal, isso seria bem pouco provável.

O presidente da Petros, Wagner Pinheiro, diz que, além da estratégia, a companhia tem sido beneficiada pelo forte movimento de alta dos preços de metais dos últimos anos. "A privatização deu certo não pelos motivos que as pessoas defenderam. Mas os últimos anos foram muito positivos e a gestão da Vale tem se posicionado muito bem no mercado, com uma estratégia vitoriosa", afirma. Assim como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, Pinheiro também considera que a privatização da Vale foi um ato jurídico perfeito e não há por que desfazer o negócio. Ele ressalta, porém, que, em uma democracia, é preciso respeitar as opiniões de pessoas e grupos que querem discutir qualquer assunto. "Mas, se algum problema houve, isso deve ser discutido na Justiça."

Nos últimos dez anos, a taxa interna de retorno média da aplicação que a Petros tem na Vale, via Litel, é de 29% ao ano, nominal. "Se tivesse condição, gostaria que a Petros tivesse uma participação ainda maior no bloco de controle", diz Pinheiro. A Previ, cuja participação na mineradora vale hoje cerca de R$ 42 bilhões, também está satisfeita com os resultados e não tem intenção de vender suas ações do bloco de controle, embora esteja com aplicações em renda variável acima do permitido (o prazo para enquadramento vai até 2012).

Para um ex-dirigente de fundo de pensão, petista, os organizadores do movimento do plebiscito também usam o argumento errado ao dizer que a Vale foi subavaliada no leilão porque tinha reservas que não foram levadas em conta no preço mínimo. Ele lembra que foram emitidas debêntures aos acionistas - inclusive o governo - que garantem pagamentos semestrais baseados na exploração desses recursos minerais. "Minério na terra, sem ser explorado, não vale nada. Não era possível dar um preço. Por isso houve essa sacada das debêntures", diz o ex-dirigente. Os papéis não têm prazo. Valem enquanto as reservas da época da privatização estiverem sendo exploradas. Em 2005, as debêntures pagaram aos acionistas US$ 5 milhões. No ano passado, US$ 6 milhões. Neste ano, já são mais de US$ 11 milhões.