Título: Cartão de loja chega ao pequeno
Autor: Maria Christina Carvalho
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2005, Finanças, p. C1

Quando viu a poderosa rede Extra, do grupo Pão de Açúcar, e o Dia%, do Carrefour, se estabelecerem a poucas quadras, Marcelo Ferreira Neto, sócio do Supermercado Jaguaré, achou que os dias do seu negócio estavam contados. Como poderia competir com um gigante que fica aberto 24 horas e outro que economiza até a sacolinha de compras era o dilema que o desesperou e tirou várias noites de seu sono. Com sua loja de 360 metros quadrados e apenas quatro check outs, Ferreira Neto concluiu que a saída era explorar as vantagens de ser pequeno e estreitar os laços com sua freguesia de 40 anos no bairro do Jaguaré, zona Oeste de São Paulo. "Aqui, o cliente fala com o dono. Essa flexibilidade não existe nos grandes supermercados. Meu custo operacional é baixo porque não fico aberto 24 horas", disse Ferreira Neto. Para segurar o cliente, o empresário de 31 anos comprou o terreno ao lado para dobrar a área de vendas e incluir uma panificação. "Quero que as pessoas encontrem tudo aqui e não precisem ir a outro lugar", explicou. O laço foi definitivamente estreitado com o lançamento do cartão de loja (private label), do Supermercado Jaguaré. Inspirado pelo acordo da Associação Paulista de Supermercados (Apas) com o HSBC, o Supermercado Jaguaré lançou o cartão que só pode ser usado em compras na sua loja. O cliente com cartão tem até 40 dias para pagar a compra. A inadimplência da operação é zero para o supermercado porque é bancada pelo banco. Em três meses, 1 mil clientes pediram o cartão, que já é usado em vendas que representam 1,5% do faturamento Supermercado Jaguaré. "Ainda é pouco. O percentual vai crescer à medida que as pessoas se acostumarem a usar mais o cartão", disse o empresário. O desenvolvimento tecnológico já permite que varejistas pequenos como o Jaguaré tenham cartões com sua marca, não importa a quantidade. Uma das maiores processadoras de cartões private label do mercado, a Conductor Tecnologia S.A. tem clientes nos dois extremos. "Nosso maior cliente tem 1,6 milhão de cartões e o menor, 10 cartões", disse Roberto Josuá, presidente da Conductor. Segundo Josuá, o mercado de cartões private label terá um crescimento explosivo nos próximos anos, graças ao desenvolvimento tecnológico que barateia os custos e viabiliza a emissão de quantidades mínimas de cartões e à aproximação de varejistas com os bancos, como a parceria entre o Pão de Açúcar e o Itaú, fechada em 2004. Não há um número oficial, mas especialistas da área calculam que o mercado de private label some de 60 milhões a 70 milhões de plásticos - mais do que os 50 milhões de cartões de bandeira (Visa, Mastercard e Amex). "O mercado está longe da maturidade", disse Josuá, ressaltando que o espaço para crescer é enorme. A Conductor, por exemplo, vem anualmente dobrando de tamanho em número de cartões processados desde 2000, quando processava 40 mil, até os 3,5 milhões atuais. O ritmo médio de expansão é de 100 mil novos plásticos e 600 estabelecimentos cadastrados por mês. Os portadores desses cartões realizam 20 milhões de transações financeiras por ano e movimentam cerca de R$ 350 milhões. A Conductor atende, operacionalmente, 3 mil estabelecimentos comerciais, distribuídos por 700 municípios, em 24 estados. O faturamento da empresa é de R$ 12 milhões. Para Josuá, a tendência é os grandes varejistas terem seu próprio banco para cuidar da operação de cartões, como é o caso da C&A, ou fazerem parceria com alguma instituição financeira, como fez o Pão de Açúcar. Já os pequenos e médios varejistas recorrerão a programas de bancos, como têm o HSBC e o Unibanco em parceria com o Tribanco, do grupo do distribuidor Martins. Um ponto a favor da expansão dos bancos na área é disponibilidade de caixa para financiar as compras dos clientes. "Até mesmo os megavarejistas precisam de capital de giro", afirmou. Há sempre espaço para mais um private label. O mesmo não se pode dizer de um cartão de bandeira. "Quem tem hoje cartões de duas bandeiras está 100% coberto. A utilidade do cartão diminui no terceiro. Já o private label não. O segundo ou o terceiro tem a mesma utilidade do primeiro", disse Josuá. A líder do mercado de private label é a C&A, loja de roupas, que sozinha tem de 10 milhões a 14 milhões de cartões, conforme a fonte. Depois vem a Riachuelo, com 8 milhões a 9 milhões de cartões. Outros magazines com peso no mercado são as Pernambucanas, com 6,5 milhões; a Renner e o Carrefour, com cerca de 4,5 milhões de cartões cada um; a Lojas Marisa, com 3 milhões; e a carioca Líder, com 2 milhões. "Esse é um mercado bastante cobiçado pelos bancos", disse Josuá, "porque lhes dá a oportunidade de chegar ao público que não entra na agência bancária. A população inteira é cliente do varejo mas nem todos têm conta em banco. É nesse segmento que os bancos têm espaço para crescer". As parcerias entre o varejo e o começaram no início da década de 80 na Fininvest, lembra Josuá, que presidiu a antiga financeira, atualmente controlada pelo Unibanco, e foi também vice-presidente da Credicard. Naquela época e até recentemente, para um estabelecimento comercial ter seu próprio cartão era preciso ter uma base grande de clientes, na faixa de 2 milhões a 3 milhões. Por isso, só os grandes varejistas conseguiram ficar independentes. Outros aderiram às parcerias com os bancos, cedendo sua base de clientes para, em troca, ter um cartão para oferecer à clientela. Já parcerias mais recentes nasceram da conveniência . Varejistas procurando se concentrar no seu negócio fizeram acordo com bancos que entraram com a tecnologia do crédito. Foi com esse espírito que nasceu a parceria entre o Pão de Açúcar e o Banco Itaú, em 2004. Anteriormente, o Unibanco desbravou o caminho com as parcerias com o Ponto Frio, Magazine Luiza, Sonae e o distribuidor Martins. Fundada, em 1998, como subsidiária da Softway, especializada em call centers do país, a Conductor passou para o controle do fundo de private equity TMG, em fevereiro de 2002. A Conductor processa três transações on-line por segundo, sustentando até 15 transações por segundo. A empresa processou 15,3 milhões de transações financeiras on-line em 2004, emitiu 8,3 milhões de extratos e analisou 1,1 milhão de propostas de crédito. Esse desenvolvimento tecnológico permitiu, segundo Josuá, que mesmos lojistas de pequeno porte tenham seu cartão private label, "para tornar os clientes fiéis e aumentar o faturamento". A processadora, explicou, pode fazer tudo: avaliar e classificar o risco do crédito, emitir e distribuir faturas, cobrança, atendimento de clientes e viabilizar as transações com a instalação de equipamentos nos pontos de venda.