Título: Dinheiro de ofertas impacta economia com investimentos
Autor: Valenti , Graziella
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2007, Empresa, p. B3

Luciano Coutinho, do BNDES, acha natural que mercado de capitais seja maior provedor de recursos que o banco Que a bolsa de valores sobe quando a economia real vai bem, pode-se dizer que todo mundo sabe. O que poucos percebem é que a bolsa também ajuda a economia a crescer. A enxurrada de aberturas de capital e listagens de ações na Bovespa está dando uma aula prática de economia para a sociedade.

Desde que a revitalização do mercado de capitais nacional teve início, em 2004, as companhias captaram mais R$ 50 bilhões na bolsa com emissões primárias de ações - metade disso só neste ano. As companhias emitiram novos papéis e os investidores compraram, entregando o dinheiro ao caixa do negócio. Então, a empresa utilizou o dinheiro para aplicar em projetos de crescimento ou para pagar dívidas antigas e fazer novas, também visando expandir as atividades. Do início das ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) na Bovespa até agora, 78 novas companhias se listaram na bolsa paulista.

Nem sempre esse ciclo fica evidente, mas sua lógica é simples. Cada um dá um pouco e as companhias juntam um monte e ganham condições melhores para investir. "As pessoas se esquecem que investimento na bolsa é aplicação no setor produtivo do país", ressalta Miguel Daud, economista e diretor da Global Financial Advisory.

Assim, a Bovespa tornou-se um instrumento efetivo da economia do país, deixando de ser apenas mais um dos ambientes do mercado financeiro doméstico. No segundo trimestre, o Brasil atingiu o maior nível de investimento frente ao produto interno bruto (PIB) desde que esse indicador passou a ser calculado, em 2000. Do total produzido no país no intervalo, o equivalente a 17,7% foi o volume investido em capacidade produtiva, de acordo com o levantamento trimestral do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Entre abril e junho, o PIB somou R$ 630,2 bilhões, com crescimento de 5,6% ante o primeiro trimestre de 2007 e de 11,2% frente igual período do ano passado. Nesse mesmo intervalo, a formação bruta de capital, ou investimento, foi de R$ 111,7 bilhões - aumento trimestral de 8,7% e anual, de 18%.

A contribuição do volume captado pelas empresas com ações no desempenho desses indicadores foi destacada pelo próprio presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho. Para ele, o mercado de capitais encorpou esses números, especificamente, nesse período. Porém, já vem auxiliando nesse sentido há tempos. "São 15 trimestres consecutivos de aumento na relação entre investimento e PIB." Significa que o ritmo da expansão da formação de capital está mais acelerado que o do produto interno do país.

Coutinho diz que tal cenário é bastante positivo. Na prática, explica, indica que as companhias se preparam para crescer. É garantia de equilíbrio entre oferta e demanda por produtos e serviços e, portanto, de controle da inflação. Além disso, expansão de atividade também gera emprego. "Manter o aumento do investimento em taxas maiores que o avanço do PIB é essencial para o crescimento sustentável da economia."

É importante ressaltar que a performance dos indicadores da economia brasileira reflete diversos outros fatores. É uma combinação de componentes, que vão desde a tão propalada liquidez financeira internacional, queda na taxa interna de juros até a evolução na renda do brasileiro, especialmente, nas classes C e D. Boa parte das companhias que buscaram dinheiro na bolsa para expandir seus negócios visa atender ao esperado aumento do consumo pelas classes mais baixas.

O professor de economia da Universidade de São Paulo (USP), Alexandre Di Miceli, ressalta que, até agora, para o público, o mercado financeiro era algo distante da economia real. Porém, a percepção pode mudar com as diversas ofertas públicas inicias de ações. "Finalmente, estamos em direção a um capitalismo real e positivo."

Os reflexos não se limitam ao investimento imediato em produtividade. Segundo Miceli, o uso do mercado de capitais como meio de financiamento melhora a competitividade do setor produtivo nacional e leva à substituição natural das empresas ultrapassadas. Quanto mais interessante for o projeto de uma companhia que quer captar dinheiro com ações, maior será a disposição de aplicação por parte dos investidores.

Outros indicadores que mostram os impactos dos IPOs na economia real são os dados de empregos com carteira assinada e de arrecadação fiscal do governo. Empresas que mantinham algum nível de informalidade - tanto na arrecadação e contabilização de receitas, como no registro do emprego - tiveram de eliminá-lo durante o preparo para IPO. "As companhias perceberam que a formalidade pode multiplicar o valor do negócio, nesse cenário", afirma José Olympio Pereira, diretor do banco Credit Suisse.

Além da expansão do nível de ocupação geral, que subiu 1% em agosto ante julho, para 21 milhões de pessoas, de acordo com a pesquisa mensal do IBGE, houve avanço expressivo nas vagas com carteira assinada. Em agosto, a alta foi de 2,5% ante julho e de 7,0% sobre o mesmo mês de 2006. No intervalo de um ano, foram adicionadas cerca de 590 mil pessoas com carteira assinada ao contingente ocupado no país, totalizando nove milhões de profissionais registrados.

Miceli, da USP, ressalta ainda os efeitos positivos sobre o empreendedorismo nacional, que historicamente foi prejudicado pelo ambiente de elevado custo do dinheiro (juros altos). "O principal problema sempre foi a falta de capital de longo prazo. No BNDES, as garantias exigidas não viabilizavam o acesso pelas novas companhias."

Coutinho, do BNDES, afirma que o ideal é que a bolsa continue crescendo e fornecendo cada vez mais recursos. Segundo ele, não há qualquer problema - ao contrário - no fato de o mercado de capitais conceder mais recursos para investimentos do que o próprio banco de fomento do governo.

Apenas em 2007, a instituição foi responsável pela liberação de R$ 61,5 bilhões às empresas. Já a Bovespa absorveu R$ 41,7 bilhões em novas ações. Esse volume considera também as ofertas secundárias (38,3% do total movimentado), nas quais os sócios das empresas vendem parte ou todas as suas ações. Nesses casos, o recurso não passa pela empresa, fica somente no bolso do acionista vendedor.

Embora os investidores prefiram comprar papéis de emissões primárias, pois o dinheiro vai para a melhoria do negócio, as operações secundárias também contribuem com o fluxo econômico - só que por uma rota indireta. "O recurso é reciclado e acaba voltando para novas empresas", diz Olympio. Ao levantar o dinheiro, esse sócios fazem novos empreendimentos ou aplicam em fundos, gerando poupança interna e, portanto, crédito para financiar as companhias. "Vira uma espiral virtuosa."