Título: Empréstimos crescem de forma insustentável, afirma economista
Autor: Lucchesi , Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2007, Finanças, p. C2

Anthony Chan, do JPMorgan: concessão de crédito está acima do normal Apesar da sensível melhora, os mercados financeiros ainda não estão de volta ao normal, diz Anthony Chan, economista-chefe do private banking do JPMorgan. "Nós continuamos a ver uma atividade de empréstimos dos bancos para as empresas acima da normal, o que não é de jeito algum sustentável", afirmou ele, em entrevista ao Valor, em São Paulo, durante visita ao Brasil.

Segundo Chan, em agosto e setembro, os empréstimos para empresas cresceram 50% nos Estados Unidos se a taxa for anualizada, o ritmo mais rápido em mais de 12 anos. "Devido à crise de liquidez, as empresas não conseguem ir ao mercado de capitais vender seus papéis de dívida e estão procurando os bancos", afirma. Mesmo o mercado de títulos de curto prazo (as notas promissórias dos Estados Unidos), chamados de US commercial papers, foi afetado.

Em algum ponto, no entanto, os bancos vão atingir sua capacidade máxima e terão menos fôlego para continuar a fazer empréstimos no ritmo forte ao qual não estão acostumados, explica Chan, que entende de liquidez: trabalhou no Fed, banco central americano.

Segundo ele, o sistema financeiro não tem capacidade para expandir sua base de empréstimos dessa forma. "Ainda mais quando você considera que os bancos ainda ficaram em suas carteiras com tantos empréstimos-pontes de aquisições alavancadas que acabaram não vendidos", lembra Chan. Esses empréstimos seriam vendidos aos mercados financeiros, mas os mercados se tornaram menos receptivos a comprá-los a preços razoáveis. Segundo o "Financial Times", as estimativas sobre o valor total dos empréstimos não-vendidos vão de US$ 200 bilhões a US$ 400 bilhões.

"Os bancos estão mantendo esses empréstimos-ponte nos seus livros, e, quando você acrescenta os novos empréstimos, você percebe claramente que essa situação é insustentável", afirma. Para ele, se a crise de liquidez não melhorar e as companhias não conseguirem mais compensar com os bancos a falta de crédito nos mercados financeiros, "isso poderia em si reduzir o crescimento econômico nos Estados Unidos", diz. A falta de crédito para as empresas poderia forçar o cancelamento de projetos de expansão e investimento, além de dificultar a rolagem de dívida e aumentar o risco de inadimplência no setor corporativo.

Segundo Chan, estimativas sugerem que as perdas para os bancos por causa dos empréstimos para aquisições alavancados não-vendidos poderiam ser de US$ 50 bilhões a US$ 70 bilhões, além dos US$ 100 bilhões a US$ 150 bilhões com a inadimplência das hipotecas de alto risco. "Não é um desastre. O sistema financeiro pode absorver essas perdas, pois têm um valor contábil de US$ 600 bilhões a US$ 800 bilhões", afirma. Mas, se os bancos perderem mesmo tudo isso, vão tornar seus empréstimos mais restritivos e fazer mais exigências para emprestar, diz. "Haverá impacto negativo na economia, por certo", diz o economista.

Segundo ele, o importante agora é observar de que forma a crise de liquidez e a queda nos preços das moradias nos Estados Unidos vão impactar o consumo americano. Chan destaca que o impacto na riqueza dos americanos de uma redução no preço das moradias é duas vezes maior do que uma queda nos preços dos ativos financeiros. "Se os preços dos ativos financeiros caem, você reduz o consumo, mas, se o preço das moradias cai, você reduz o seu consumo duas vezes mais." E os preços das moradias nos Estados Unidos estão caindo e vão continuar a cair.

Nos próximos 12 meses, os índices sugerem uma queda de 4% a 7% e nos outros 12 meses a queda será de mais 4% a 7%. "Sabemos que esses preços vão continuar a cair, pois os estoques estão altos demais", afirma. Há 8,2 meses de estoque de novas moradias, quando, normalmente, seriam 3 ou 4 meses. As casas já existentes têm estoques que vão durar 9,8 meses, duas vezes e meia a três vezes o que seria normal. "Esses estoques colocam uma pressão para baixo no preço das moradias", diz Chan, que participou em 2001 e 2002 do comitê de consultoria econômico da American Bankers Association (AAB), que, entre outras funções, apresenta relatos sigilosos sobre a economia para o comitê de mercado aberto do Fed.

Para Chan, por conta da crise no mercado de hipotecas, o crescimento econômico nos Estados Unidos vai se reduzir "drasticamente" no quarto trimestre deste ano e no primeiro trimestre de 2008, com o Produto Interno Bruto nos níveis de 1,5% a 1,75%. "O mercado imobiliário, que será a grande vítima na crise das hipotecas de alto risco, deve demorar de 12 a 24 meses para se recuperar", avalia ele.

Chan considera que a probabilidade de uma recessão nos Estados Unidos cresceu para 30% a 35%. "Mas, nós poderemos evitá-la, se o Fed continuar a reduzir os juros e, dessa forma, acrescentar liquidez aos mercados financeiros", acredita. Ele vê como necessários cortes de no mínimo mais 0,5 ponto percentual nas taxas básicas americanos, para 4,25% ao ano. Poderia ser 0,5 agora, na reunião de 31 de outubro, ou 25 ponto percentual agora e mais 25 na reunião do dia 11 de dezembro, diz o economista.

Segundo ele, com a globalização, mais e mais instituições financeiras estão sob o impacto do que acontece Nos EUA. "Sem dúvida o crescimento econômico global será será suavizado um pouquinho", diz. Para Chan, já é possível ver repercussões nos bancos europeus e nas economias mais dependentes das exportações para os Estados Unidos. "A Europa será a primeira a ser atingida pelo crescimento menor nos Estados Unidos", diz.

No Brasil, os impactos econômicos serão maiores se o crescimento econômico na China se retrair, diz. "A boa notícia é que os chineses não terão um colapso no seu crescimento econômico", afirma. "As Olimpíadas estão chegando, eles não vão valorizar a sua moeda tão rapidamente quanto os Estados Unidos desejariam, eles estão subindo os juros, mas de forma gradual, e até agora, todas as mudanças administrativas e monetárias que o Banco Central da China conduziu foram muito graduais", explicou ele. Chan não negou que, mesmo na China, o crescimento terá desaceleração. "Mas, crescer a um ritmo de 10% ainda é muito impressionante", afirma. Com isso, os preços das commodities metálicas e dos alimentos deverão se manter pressionados, diz. "Isso é bom para o Brasil", afirma. No pior cenário, haverá uma grande retração nos EUA, com crescimento de 1 a 2 pontos percentuais a menos na China, com implicações negativas para o crescimento do Brasil. "Mas, a China e o Brasil poderão lidar perfeitamente com isso", diz.