Título: STF analisa o primeiro conflito da reforma
Autor: Thiago Vitale Jayme e Fernando Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2005, Legislação & Tributos, p. E1

Os servidores estatutários continuarão a ter seus litígios trabalhistas julgados por juízes federais. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, concedeu liminar na noite de quinta-feira à Associação dos Juízes Federais (Ajufe). A entidade pedia a manutenção da prerrogativa de julgar questões relacionadas ao funcionalismo. A divergência de interpretação surgiu por conta de duas redações distintas dadas a um mesmo artigo da Emenda Constitucional nº 45, da reforma do Judiciário. Estabelecido o impasse, a Ajufe ajuizou ação no STF para esclarecer as dúvidas. Houve confusão no Senado sobre o inciso I do artigo 114 da reforma. O texto foi aprovado no dia 17 de novembro de 2004 pelos senadores com a seguinte redação: "compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, exceto os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da federação". Mas a emenda publicada no Diário Oficial no dia 30 de dezembro não contém o trecho referente à exceção dos estatutários. O texto enviado pela Câmara aos senadores não continha esse trecho. A exceção expressa aos estatutários foi feita pelo Senado. No momento da promulgação, o presidente da Câmara, João Paulo Cunha, entendeu que houve mudança de mérito no texto e o inciso terá de ser novamente aprovado pela Câmara. A Ajufe fez dois pedidos ao STF na Adin. Primeiro, pediu a suspensão do inciso I do artigo 114. Caso essa reivindicação não fosse possível, a entidade pedia uma nova interpretação do texto aprovado. Era preciso saber se a expressão "relações de trabalho" do inciso I abrange os servidores estatutários. A discussão é saber se esses funcionários mantêm relação de trabalho com a União. O ministro negou o primeiro pedido e manteve a validade do inciso I. Para interpretar o artigo - segundo pedido da Ajufe - o ministro usou, como base, julgamento semelhante do próprio STF de 1992, quando da análise da Adin nº 492. Naquele ano, o Supremo declarou inconstitucional a Lei nº 8.112/90. A norma autorizou a inclusão, na competência da Justiça do Trabalho, dos processos relativos aos servidores estatutários. O STF entendeu, na época, que o contrato do funcionalismo não se tratava de "relação de trabalho". Para Jobim, quando o Senado acrescentou a exceção ao funcionalismo no inciso I, "meramente explicitou, na linha do decidido na adin 492" o entendimento de que não cabe à Justiça do Trabalho julgar as questões relacionadas aos servidores estatutários. E completou: "Não há que se entender que a Justiça trabalhista, a partir do texto promulgado, possa analisar questões relativas aos servidores públicos". O ministro concedeu a liminar por entender que há risco de dupla interpretação do texto sem a exceção feita quando aos estatutários. E aceitou o pedido da Ajufe de interpretar o texto de forma e manter a competência da Justiça Federal. "A alegação é fortemente plausível. Há risco. Poderá, como afirma a inicial, estabelecerem-se conflitos entre a Justiça Federal e a Justiça Trabalhista, quanto à competência desta ou daquela. Em face dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e ausência de prejuízo, concedo a liminar", escreveu o ministro Jobim. A Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) ficou surpresa com a liminar concedida por Jobim. O presidente da entidade, Grijalbo Coutinho, reconhece que não esperava uma decisão adversa. Embora surpreso, ele espera mudança no ponto de vista de Jobim no debate sobre o tema no plenário do STF. "O ministro decidiu dentro do poder de cautela do relator, para evitar que vários segmentos julgassem a matéria de forma diversa. Mas vamos enviar memorando a todos os ministros e confiamos em uma mudança de entendimento", afirma o presidente da entidade. Coutinho comemora o fato de o ministro do STF ter concedido a medida cautelar apenas em parte. "Ele manteve a atribuição da Justiça do trabalho de julgar processos relativos às relações de trabalho. A inconstitucionalidade formal foi rejeitada. A competência da Justiça do trabalho de julgar questões relativas às relações de trabalho, que a Ajufe pretendia derrubar, está mantida", diz o magistrado. No voto proferido, Jobim se adiantou à discussão sobre o tema no Congresso. Como o artigo 114 voltou à Câmara para nova análise dos deputados, o trecho "exceto os servidores ocupantes de cargos criados por lei" pode ou não ser mantido. Seja qual for a decisão dos parlamentares, a Justiça do Trabalho não terá competência para julgar questões relativas aos servidores estatutários. Segundo o presidente da Ajufe, Jorge Maurique, a obtenção da liminar foi importante porque algumas decisões de juízes do trabalho já estavam aceitando a competência para julgar ações de servidores estatutários. A preocupação da entidade é que milhares de processos começassem a tramitar na Justiça do trabalho ou que ficassem parados à espera de uma definição. Segundo Maurique, com a reforma houve o aumento de algumas competências da Justiça do Trabalho, mas em nenhum momento da tramitação pensou-se em passar os estatutários para a competência trabalhista. "Isso ficou implícito no texto da Câmara, e o Senado o tornou explícito", diz.