Título: O perigo que fica na água
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 19/01/2011, Brasil, p. 7

Abastecimento volta ao normal, mas risco de contaminação é alto. Número de vítimas passa dos 700

Aos poucos, as concessionárias responsáveis pelo abastecimento da região serrana do Rio de Janeiro concluem os trabalhos de recondicionamento das estações de tratamento e voltam a fornecer água aos municípios atingidos pela chuva. Ontem, a Nova Cedae, que atende Teresópolis e Sumidouro, informou que voltou a operar com 100% da capacidade e a concessionária Águas de Nova Friburgo estima índice de 65% de funcionamento.

Apesar de a estrutura de bombeamento e as estações de tratamento voltarem a funcionar, especialistas ouvidos pelo Correio apontam para o risco de contaminação das águas. De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia Ambiental (ABGE), Fernando Kertzman, a mudança dos cursos d¿água e a grande quantidade de material orgânico levado para os mananciais com os deslizamentos prejudicará a qualidade da água pelos próximos três meses, pelo menos. ¿Nesse primeiro momento, o problema é a qualidade da água. Ela vem com muito barro e matéria orgânica em suspensão. É importante que se oriente a lavar os reservatórios assim que volte o abastecimento. Até julho, ainda vai ter muito trabalho.¿

O coordenador do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos da Universidade de Brasília (UnB), Marco Antônio Almeida de Souza, afirma que, apesar de o abastecimento ter sido regularizado, os agentes públicos devem orientar a população a não beber nem usar a água para cozinhar, pois apesar de as estações de tratamento funcionarem, os dutos que se ligam aos reservatórios das cidades e das casas podem estar contaminados. ¿Em muitos casos, é aconselhável cessar o fornecimento por segurança, para baixar o risco de saúde pública. A água não é recomendável para consumo potável, ingestão e cozimento¿. Souza acrescenta que outra característica dessa água é a ¿dosagem de segurança¿, que aumenta a quantidade de cloro. Por isso, a doação de água mineral para as vítimas é tão importante.

De acordo com o engenheiro sanitarista, moradores da região urbana correm o risco de contaminação com doenças como o tifo e a leptospirose e de região rural com a contaminação das cisternas com fertilizantes químicos. A presença de corpos, no entanto, não é uma preocupação, segundo o especialista. ¿O pior problema quando se tem inundação é a mistura de resíduos. O esgoto é misturado com essas águas e aparece uma série de doenças típicas de regiões inundadas que são posteriores à tragédia. Quando começar a secar, surgem os problemas de saúde pública. A poeira contém contaminação¿, pontua o professor. Preocupados com a poeira, moradores já circulavam de máscaras pela região.

Ontem, voltou a chover forte na serra fluminense. Os moradores ficaram assustados, temendo novos deslizamentos. Apesar da chuva, as equipes continuaram o trabalho de desobstrução das estradas. Para amenizar a dor dos aproximadamente 14 mil desabrigados das chuvas, os governos estadual e federal iniciaram mobilização para construção de casas populares e distribuição de recursos para pagamento do aluguel social. Uma fazenda de 190 hectares em Teresópolis foi desapropriada para a construção de 500 moradias. As obras terão início em fevereiro e custarão R$ 24 milhões.

De acordo com balanço da Defesa Civil divulgado ontem, 701 pessoas morreram em decorrência da tragédia. Mas o número pode ser maior, pois as equipes ainda não conseguiram ter acesso a algumas regiões rurais. Para vencer o isolamento ocasionado pela destruição de vias, o Exército vai construir uma ponte móvel na zona rural de Teresópolis. O Ministério da Integração informou que enviará 4 mil cestas de alimentos para o estado. A polícia encontra dificuldade para fiscalizar a entrega de donativos. Ontem, dois suspeitos foram presos acusados de tentar desviar caminhão repleto de doações que saía da Zona Norte, da capital.

ALERTOU OU NÃO ALERTOU? Durante a entrevista a jornalistas, concedida em Nova Friburgo, o governador do Rio, Sérgio Cabral, se irritou e responsabilizou o Instituto de Meteorologia (Inmet) por não ter enviado alertas sobre as chuvas que causariam a maior devastação já sofrida pela região serrana do Rio. Segundo Cabral, os informativos repassados á Defesa Civil não eram detalhados. ¿A Defesa Civil do estado repassou às cidades um alerta que ela recebe todos os dias, de chuva moderada a forte. O que você interpreta de chuvas moderadas a fortes, se toda vez você recebe o mesmo relatório?¿ questionou. O Inmet, no entanto, rebate afirmando que o aviso enviado na segunda-feira, dia 11, frisava a anormalidade do tempo na região. ¿O aviso previa condições meteorológicas favoráveis à ocorrência de chuva moderada a forte, com trovoadas e rajadas de ventos no sul fluminense, região serrana e Vale do Paraíba do Rio de Janeiro. Também um significativo acumulado de chuva em todo o estado¿, afirma o meteorologista Hamilton Carvalho.

Esplanada a postos

Ana Elisa Santana

As vítimas das chuvas na região serrana do Rio poderão sacar a primeira parcela do aluguel social na primeira semana de fevereiro. Segundo o governador do estado, Sérgio Cabral, as prefeituras dos sete municípios atingidos já fazem o cadastramento de desabrigados para a aplicação dos R$ 30 milhões que foram repassados pela União. O benefício deve ser distribuído entre 5 mil famílias, durante um ano.

O governador sobrevoou ontem, com os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo; da Integração Nacional, Fernando Bezerra; e da Defesa, Nelson Jobim, as áreas afetadas de Nova Friburgo e Teresópolis. Em seguida, reuniram-se com outras autoridades estaduais e municipais na prefeitura de Nova Friburgo para discutir a logística de auxílio às vítimas.

Cabral afirmou que está negociando com o governo federal alterações no programa Minha Casa, Minha Vida para acelerar a construção de 5,6 mil casas populares e abrigar as famílias que estão alojadas em abrigos improvisados. Outra medida para a recuperação dos municípios é um plano econômico para possibilitar capital de giro ao comércio e reconstruir a infraestrutura em turismo, indústria e produção agrícola locais.

O ministro Fernando Bezerra afirmou, em Nova Friburgo, que deve se reunir hoje com os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e da Casa Civil, Antônio Palocci, para discutir a questão. Disse também que passará a visitar a região devastada de duas a três vezes por semana para acompanhar o resgate e socorro às vítimas, seguindo determinação da presidente Dilma Rousseff.