Título: Juntar a vida que restou
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 19/01/2011, Brasil, p. 7

Moradores tentam reunir forças para retomar o dia a dia. Mesmo quem não tem sequer onde morar busca motivação em meio ao caos

Enviada especial

Teresópolis (RJ) ¿ O desespero diante de tanto estrago transformou-se em tristeza pela morte de parentes e perda dos bens conquistados, muitas vezes durante uma vida inteira. Hoje, exatamente uma semana depois da tragédia consumada na região serrana do Rio, a resignação paira sobre as vítimas. ¿Parece que a ficha começou a cair¿, diz Solange Ferreira Pires, que perdeu sua casa em Três Córregos, um dos bairros afetados de Teresópolis. Sobreviventes como ela, que não estão internados em hospitais ou ainda permanecem em áreas isoladas, tentam recomeçar a vida interrompida na madrugada da última terça-feira. Serviços básicos, como água e energia, são ampliados a cada dia.

Para Solange, o recomeço será do zero. ¿Vou ter que construir tudo de novo. Não salvei nem meus documentos¿, constata a mulher de 42 anos dentro da casa que foi tomada pela lama. Ao mostrar o quarto de paredes cor-de-rosa da filha mais nova, Júlia, de 5 anos, lembra o quanto era zelosa com a casa. ¿Eu cuidava muito direitinho das minhas coisas¿, afirma. Na terça-feira passada, horas antes do temporal, inaugurou o barzinho que comprou para a sala e estava feliz com a máquina de lavar adquirida com o 13º. ¿Coloquei as bebidas que ganhei no serviço lá, os copos que eu tinha guardado, estava tudo lindo¿, conta Solange, que trabalha como copeira de um hotel fazenda na região, que ficou dias bloqueado por barreiras.

Só hoje é que ela irá ao serviço. Seu filho mais velho, de 20 anos, foi ontem no hotel onde trabalha, no centro da cidade, para pedir um uniforme novo. Ele perdeu todas as roupas na enchente. O problema de Astrogildo Martins não se resume à casa em Vieira, outro bairro de Teresópolis destruído. Está difícil, para o senhor de 65 anos, morador do local há cerca de 40, se perdoar pela morte dos vizinhos, considerados parte da família. ¿Eu fui um incompetente¿, afirma. Enquanto Astrogildo e a mulher se agarraram aos móveis da casa para não serem levados pela água, Jussara, a vizinha, berrava por socorro. ¿Ela me chamava e dizia para eu salvar os meninos. Mas como eu podia ir? A água era muito forte¿, lamenta.

Encontrar Astrogildo vivo, para os familiares que tiveram de caminhar por três horas no meio de trilhas até chegar ao local da casa, na manhã de terça, foi um milagre. ¿Ele já fez sete operações cardíacas, tem três pontes de safena, graças a Deus que aguentou¿, comemora a neta Elaine. Apesar das aflições em salas cirúrgicas, Astrogildo conta nunca ter sentido tanto medo. ¿Medo de morrer, tive muito¿, diz o senhor. No quintal da casa onde morava, hoje tomada por lama, ele não sabe o que fazer. Tenta, com a ajuda de familiares, tirar o que talvez possa funcionar. ¿Vou levar para um sitiozinho que tenho lá para cima, perto de Friburgo. Depois vejo o que faço com a casa. Sempre adorei esse lugar, mas sei que não dá mais para ficar, pelo menos por enquanto¿, afirma Astrogildo.

Sonia Maria Lúcia, de 58 anos, não tem outra opção. Em um abrigo aberto por uma igreja próximo ao centro da cidade, ela tem que dormir ao lado de pessoas desconhecidas até pouco tempo atrás. ¿Hoje eles são meus companheiros, até quando, eu não sei¿, conta. Sonia não perdeu a casa completamente, localizada na Granja Florestal, uma área de Teresópolis atingida pelas chuvas, mas teve de deixá-la por conta dos riscos de desabamento. Desde então, sua vida parou. ¿Estou louca para voltar a trabalhar, pago aluguel, tenho que beber, que comer, só tenho esse ganho¿, fala. Só que o local onde ela trabalha como empregada doméstica, no bairro da Posse, parcialmente ilhado, está sem acesso. ¿Não posso voltar para minha casa nem ir para o trabalho¿, reclama Sonia.

O ganha-pão também preocupa José Luiz Amorim. Marceneiro de 57 anos, ele passou o dia, ontem, tentando salvar as máquinas soterradas pela lama na oficina destruída. ¿Nós vamos conseguir, não pode é desanimar¿, encorajava outros trabalhadores de uma fabricante de móveis onde é funcionário. Liderado pelo patrão, o grupo já conseguiu local para guardar as máquinas até ser alugado um espaço para voltarem a trabalhar. O problema é saber se as máquinas voltarão a funcionar. ¿O problema maior está nos motores, que terão de passar por uma retífica¿, diz José Luiz.

Para Solange, o dilema, agora, é onde morar. Ela não consegue retirar toda a lama da casa nem quer voltar a morar no local, na beira de um rio. ¿Agora vou atrás de um aluguel social, até me arranjar novamente¿, diz, resignada. Enquanto isso, alugou um local do outro lado da rua.

Mais dinheiro para o estado

Leandro Kleber Especial para o Correio

O Ministério da Fazenda anunciou ontem que os sete municípios atingidos pelas enchentes na região serrana do Rio de Janeiro ¿ Areal, Bom Jardim, Nova Friburgo, Petrópolis, São José do Vale do Rio Preto, Sumidouro e Teresópolis ¿¿ serão beneficiados por medidas econômicas, como a prorrogação do prazo de vencimento dos tributos até março. O governo federal estuda implementar um plano de recuperação econômica das cidades afetadas, que deverá incluir ainda antecipação de benefícios previdenciários e liberação de financiamentos de bancos governamentais. Ainda não há custos e prazos, mas a ideia é que tudo seja feito em dois anos.

Ontem, o diretor do Banco Mundial (Bird) para o Brasil, Makhator Dio, afirmou que a instituição irá emprestar R$ 800 milhões (US$ 485 milhões) para o estado do Rio aplicar na remoção de pessoas que vivem em áreas de risco e na construção de casas populares. ¿Pretendemos liberar US$ 200 milhões em abril, no mais tardar, e US$ 285 milhões em outubro ou novembro¿, disse.

Para acelerar a liberação da verba, que já vinha sendo negociada pelo governo estadual, a presidente Dilma Rousseff pediu celeridade em reunião com Makhator Dio, com o chefe da Casa Civil do Rio de Janeiro, Régis Fichtner, e com o vice-presidente mundial do Bird, Otaviano Canuto. Antes da intervenção de ontem de Dilma, a previsão era de que cerca de metade dos recursos fosse liberada em 2011 e o restante, somente no ano que vem.

Segundo Otaviano Canuto, o Bird também ofereceu consultoria para a elaboração de um ¿sistema de gestão de crise¿. ¿Com a experiência que o Banco Mundial tem, poderia ajudar a montar o sistema de gestão de crise. Podemos trazer consultores com experiência em outros países que vivenciaram tragédias para dialogar com o governo¿, afirmou.

O senador eleito Lindberg Farias (PT-RJ) também esteve ontem no Palácio do Planalto para sugerir ideias para auxiliar as áreas afetadas no Rio. Ele disse que a ajuda financeira ao estado fluminense é fundamental neste momento para recuperar a região. ¿Vocês não têm noção de como está a situação. É um cenário de guerra e destruição. Por isso merece atenção diferenciada.¿