Título: Novas regras exigem revisão de estratégias
Autor: Mara Luquet
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2005, Suplemento, p. 1

A vida do investidor brasileiro já não é mais a mesma dos últimos dez anos. Neste mês de janeiro, entrou em vigor uma legislação tributária no mercado financeiro que está promovendo uma espécie de revolução para gestores de recursos e investidores. A boa notícia é que um dos maiores temores das administradoras de recursos, que era a fuga dos investidores dos fundos rumo a outras aplicações, não se confirmou, pelo menos até agora. Segundo dados da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), até o último dia 24, a captação líquida dos fundos ficou em R$ 12 bilhões, ou seja, tão boa quanto a do mesmo período no ano passado, quando a indústria viveu o melhor mês de sua história. Parte desses recursos pertence a fundos que não informam seus dados detalhados ao mercado e são exclusivos de um único cotista, por isso são captados apenas pela Anbid. De acordo com dados do site financeiro Fortuna, as carteiras que possuem total transparência somam captação de R$ 6,8 bilhões. Mas é preciso ter cautela com a forte movimentação entre carteiras que está ocorrendo neste mês para que os gestores e investidores consigam adequar seus investimentos às novas regras tributárias. "O fluxo de recursos na indústria é intenso, muito da movimentação ainda não foi contabilizada", diz Marcelo Líbero D'Agosto, autor do livro "Como escolher o melhor fundo de investimento" e sócio do site Fortuna (www.fortuna.com.br), empresa especializada no acompanhamento dos fundos de investimentos brasileiros. Segundo ele, estão sendo realizados resgates pesados de algumas carteiras, mas os recursos não saem da indústria, apenas migram para outras carteiras. O problema é que a movimentação demora a ser registrada. "Muitos gestores simplesmente não sabem o que fazer com as carteiras", afirma D'Agosto. "Os resgates e as aplicações são muito concentrados", acrescenta. A dúvida básica é: as carteiras passam a ter papéis com prazo médio acima de um ano ou permanecem com papéis mais curtos? A resposta vale uma boa economia em impostos, porque a tributação é menor em carteiras com títulos de longo prazo (com vencimento acima de 365 dias), mas também acrescenta uma dose maior de risco à carteira, daí a angústia do setor de fundos.

Isso ocorre porque os fundos de longo prazo vão fazer diferença nos ganhos de seu portfólio. Misturar seus recursos de longo e de curto prazo poderá fazer com que você amargue prejuízos desnecessários a partir de agora. Você terá que aplicar nas carteiras de longo prazo todos os recursos que só vai utilizar a partir um ano. Dessa forma, você conseguirá pagar menos imposto de renda nessas aplicações. Note que não adianta manter suas aplicações por mais de dois anos se elas não estiverem num fundo de longo prazo para usufruir de uma tributação menor. Os fundos de longo prazo são aqueles que possuem em carteira papéis de renda fixa emitidos pelo governo federal (os de menor risco) ou por empresas que, na média, tenham um vencimento acima de 365 dias. Ou seja a "duration" da carteira tem que ser acima de um ano. O ano passado foi de mudanças na tributação das aplicações brasileiras. Mudanças que começaram a impactar seus investimentos neste mês de janeiro e que vão exigir sua atenção para não cometer erros, que poderão custar caro. A motivação do governo é premiar investidores que posterguem o resgate de seus recursos, diminuindo bastante a alíquota de imposto de renda cobrada sobre o ganho de capital dessas aplicações e punindo com alíquotas mais altas os investimentos de curto prazo. O governo também manteve o benefício fiscal de abater da base de cálculo do Imposto de Renda parte dessas aplicações nos casos das aplicações em previdência privada e reduziu a alíquota dessas aplicações para quem resgatar os recursos após um prazo de dez anos (veja reportagem neste guia). A sua motivação para ficar atento as novas regras é aumentar o potencial de retorno de sua carteira no longo prazo. Lembre-se, por menor que seja o ganho, no longo prazo, as taxas de juro compostos tem um enorme poder de engordar suas economias e você não pode desprezar esses ganhos, porque no longo prazo está a aposentadoria dos seus sonhos. O primeiro movimento começou com a conta-investimento, que permite a livre movimentação sem cobrança de CPMF desde outubro. A isenção do pagamento da contribuição acontece nas mudanças de investimento. Vale lembrar, entretanto, que o dinheiro que sai da conta corrente e vai para a conta-investimento precisa ainda pagar uma CPMF. Depois vieram as medidas empacotadas nas Medidas Provisórias 206 e 209. A MP 206 reduziu a alíquota de IR de 20 para 15% sobre o ganho de capital das aplicações em ações, seja porque prazo for. Além disso, acabou com o "come-cotas" mensal e passou para cobrança semestral. O "come-cotas" é como foi batizado pelo mercado o sistema de cobrança de imposto de renda na fonte nos fundos de investimento que não sejam os de ações. Por esse mecanismo, todo fim de mês a Receita mordia uma parte do patrimônio dos fundos correspondente à tributação sobre o rendimento. O imposto é pago em cotas, diminuindo o total de unidades que o cliente tem do fundo, por isso o nome come-cotas. Essa cobrança agora passou a ser feita nos meses de maio e novembro. Mas não foi a única mudança. A alíquota nos fundos de renda fixa aumentou de 20% para 22,5% no caso de aplicações até seis meses, manteve-se em 20% para aplicações de seis meses e um dia até 12 meses, caiu para 17,5% nas aplicações com prazos de 12 meses e um dia até 24 meses e chegou a 15% para aplicações com resgates acima de 24 meses. A tributação semestral é um avanço para o investidor em relação ao modelo anterior, mas ainda representa uma desvantagem em relação a outras aplicações que prevêem a tributação apenas no resgate, como é o caso do Tesouro Direto - sistema de negociação de títulos do governo via internet - e os Certificados de Depósito Bancários (CDBs). Por isso, é preciso muita atenção. Os CDBs e os títulos do Tesouro Direto vendidos pela web têm tributação apenas no resgate ou nos pagamentos de juros semestrais (cupons). No entanto, observe que cada vez que esses papéis vencem você zera o taxímetro, ou seja, começa a contar de novo o prazo da aplicação para ter direito à alíquota menor, o que não acontece com os fundos de investimentos. Isso não acontece com os cupons, ou seja, o taxímetro não zera a cada novo pagamento - conta da data da aplicação até o pagamento. Por isso, se optar por aplicações diretas em títulos do Tesouro ou em CDBs você deve comprar títulos com vencimentos maiores ou coincidentes com os do prazo de sua aplicação.

Separar o que são recursos de curto prazo e o que é dinheiro que pode ficar por um longo período investido tornou-se primordial

Caso contrário, você corre o risco de ficar três anos numa aplicação e não ter o direito de usufruir da alíquota menor, porque o seu CDB venceu com dois anos e você teve de renovar. Assim, o resgate ocorreu com um ano da nova aplicação. A MP 209 complementou a 206 e complicou um pouco mais a sua vida. Isso porque essa medida provisória estabelece que nas aplicações em fundos de investimento só terão direito às alíquotas menores aqueles investidores que tiverem resgate acima de dois anos e, necessariamente, estiverem aplicados em fundos que tenham uma carteira com títulos com prazo médio acima de um ano. Ou seja, não basta que você mantenha seus recursos por longo prazo, é necessário também que o gestor compre títulos de longo prazo. Esse é um aspecto importantíssimo. Para ter direito a alíquota menor você terá, portanto, que entrar num fundo de maior risco. Ainda que na escala de riscos os fundos de renda fixa estejam bem próximo à base, ou seja, tenham pouca volatilidade, é certo que papéis de longo prazo oscilam mais do que os de curto prazo. Isso ocorre principalmente quando as taxas de juros sobem repentinamente, o que afeta os preços dos papéis. Quando mais longo o prazo do título, mais a alta dos juros pode mexer com seu preço. Isso quer dizer que há possibilidades maiores de perdas numa aplicação de prazo mais longo. A criação da conta-investimento, por sua vez, deixou o investidor mais livre para movimentar seus recursos. Assim, você agora tem mais liberdade para fazer periodicamente a análise de sua carteira de investimento e modificá-la de acordo com as tendências macroeconômicos e com os resultados obtidos pelo seu gestor. A conta- investimento foi criada por meio da Medida Provisória nº 179, de abril de 2004, e isentou da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) a migração entre investimentos. Isso quer dizer que você deixa de pagar a alíquota de 0,38% toda vez que for trocar de aplicação. Com a conta-investimento, portanto, você pode promover uma revisão completa na sua carteira de investimento. Dessa forma, além de avaliar o desempenho dos seus gestores, você também poderá fazer uma melhor distribuição de seus ativos para poder usufruir das alíquotas menores de Imposto de Renda para aqueles recursos de longo prazo. A entrada em vigor da conta-investimento ocorreu em 1º de outubro. Todas as aplicações financeiras que você faz a partir desta data passam primeiro, necessariamente, por sua conta-investimento e de lá seguem para o produto que você escolheu. Da mesma forma, na hora em que você faz o resgate da aplicação o dinheiro não cai automaticamente na sua conta corrente. Ele passa primeiro pela conta-investimento e só se você pedir o resgate para a sua conta corrente é que então é cobrada a CPMF. Caso contrário, seus recursos permanecem na conta-investimento, sem nenhuma remuneração, até que você determine a aplicação dele em outro produto. Alguns bancos chegam a oferecer aplicação automática dos recursos na conta-investimento, mas o melhor é se garantir e procurar escolher você mesmo o melhor fundo para o seu dinheiro. Enquanto seus recursos estiverem migrando de aplicações, ou seja, não forem para a sua conta corrente eles estão isentos de CPMF. A tributação só vai ocorrer no momento em que você fizer o resgate para sua conta corrente. No entanto, observe que as aplicações financeiras que você já tinha antes da entrada em vigor da conta-investimento deverão ser resgatadas, retornar para a sua conta corrente e só então migrar para a conta-investimento, o que vai exigir que você pague CPMF e os impostos sobre o ganho. A partir desse procedimento é que seus investimentos estarão, então, sob vigência da nova regra. Por isso, muita atenção. É necessário fazer cálculos agora. Em alguns casos valerá a pena fazer a migração, porque os ganhos obtidos compensarão a CPMF e o imposto pago nesta movimentação. Em outros não. Nesse caso, então, mantenha suas aplicações do jeito que estão e aguarde até 1º de outubro de 2006. A partir dessa data, mesmo as aplicações antigas passarão a ter o mesmo benefício para movimentação entre aplicações sem incidência de CPMF, sem ser tributada no momento do resgate. Ou seja, todas as aplicações estão automaticamente na conta investimento. A diferença entre as aplicações de curto e de longo prazos tende a ser maior nos próximos anos se as taxas de juro retomarem seu caminho de queda. Isso porque títulos de longo prazo tendem a pagar um prêmio maior do que os de curto prazo. Mas seus recursos de longo prazo terão de receber atenção redobrada desde já, porque só o efeito da tributação menor representará um ganho e tanto para suas aplicações. Antes de fazer sua aplicação verifique então as seguintes etapas: 1- Separe seus recursos pelo prazo que ficarão aplicados; 2- Veja se você está na aplicação correta em termos de tributação; 3- Verifique se seu gestor está conseguindo se apropriar dos prêmios pagos nos títulos de longo prazo, ou seja, se o retorno de sua carteira é maior; 4- Fique atento se o gestor não está se apropriando, via taxa de administração, de todo o seu ganho fiscal.

É preciso avaliar muito bem se vale a pena migrar o dinheiro que já está investido, pagar a CPMF e ir para a conta-investimento

Agora sim você pode fazer sua aplicação. Já aplicar em ações diretamente, ou seja, por meio de uma corretora de valores e não por meio de um fundo de investimento, é uma operação que está isenta de CPMF há cerca de um ano. Nesse caso, então, nada muda em relação as suas aplicações. A entrada em vigor da conta investimento não causa nenhum impacto na sua operação com a corretora de valores. Pensar na aposentadoria sempre foi pensar em imposto. Mas agora este ponto ganha uma relevância ainda maior porque no pacote tributário do governo os fundos de previdência ficaram ainda mais atraentes para os recursos de longo prazo e extremamente caros para as aplicações de prazo mais curto. Por isso, preste muita atenção ao planejamento tributário, porque ele pode ser um forte aliado quando você estiver pensando em acumular dinheiro para sua aposentadoria. Apenas com o benefício fiscal de 12% sobre a renda tributável que você tem quando aplica em PGBL é possível acrescentar 3,3% dos recursos aplicados ao ano ao seu patrimônio. Ou seja um ganho real que iria para o caixa do governo e que você conta como um reforço nesta sua empreitada de acumulação de patrimônio. Outro aspecto relevante, os ganhos com dividendos não são tributados e no Brasil já existem empresas que pagam dividendos regularmente. Assim, este é um fluxo de caixa com que você pode contar isento de tributação. Mas para ter sucesso com sua carteira de investimento para aposentadoria há vários pontos que você precisa observar. As taxas cobradas por seguradoras e empresas de previdência para fazer a gestão dos planos PGBLs e VGBLs ainda são muito altas. Por isso, você precisa pesquisar e não ficar restrito à agência de seu banco. Provavelmente, se não chegar para a conversa bem informado, não sairá de lá com o melhor plano. É necessário negociar taxas e um expediente que poderá ajudar é reunir um grupo de investidores que, como você, está pensando na aposentadoria e negociar um plano com um tratamento mais razoável. Pelas novas regras de tributação, os resgates de curto prazo dos PGBLs e VGBLs são ainda mais prejudicados. Só a partir de dois anos de aplicação é que as alíquotas começam a ficar decrescentes, mas apenas se tornam razoáveis depois de seis anos de aplicação. Aplicações com prazos superior a dois anos até quatro anos tem uma alíquota de IR de 30%. A alíquota cai para 25% no caso de aplicações com prazos maiores do que quatro anos até seis anos e cai para 20% para os prazos superiores a seis anos e inferior a oito. Nos prazo de aplicações de oito a dez anos, a alíquota é de 15% e acima de dez anos então chega-se a alíquota de 10%. Outro detalhe importante. Até agora, muito investidor fazia uma aplicação pontual em PGBLs em dezembro para ter direito ao benefício fiscal de 12% sobre a renda tributável no ano quando fosse fazer sua declaração de IR. Depois, ao longo do ano seguinte ele fazia pequenos resgates mensais dentro da faixa de isenção de IR. Pela nova modalidade esse expediente acaba. Isso porque agora todo o resgate, seja de qual for o valor, será tributado pela alíquota correspondente ao prazo da aplicação. Ou seja, mesmo que seu resgate seja pequeno no ano seguinte, aplicações com menos de dois anos são tributadas em 35% sobre o valor total do saque. Já quem optar por continuar com o regime de tributação antigo, da tabela progressiva de imposto de renda, também não poderá continuar sacando os recursos mensalmente abaixo do limite de isenção para escapar do imposto. A partir deste ano, haverá a cobrança de 15% de imposto na fonte na hora do saque. Depois, no final do ano, o investidor poderá compensar o imposto pago a mais ou completar o que faltou na declaração de ajuste. Para quem já tinha aplicações em PGBL haverá duas opções: migrar suas reservas para o novo PGBL, ou mantê-las no produto antigo. A vantagem do novo produto é que você terá uma alíquota bem menor quando fizer seu resgate no momento da aposentadoria. O modelo antigo do PGBL prevê uma tributação sobre o resgate que obedece a tabela progressiva do IR e não utiliza os 10% previsto pelos novos PGBLs para quem fica acima de dez anos. Para você ter uma idéia do ganho, analistas dizem que só o benefício fiscal proporcionaria a partir de 25 anos acumular quase o dobro de patrimônio que você acumularia se aplicasse num fundo de investimento tradicional. Mas a decisão, mais uma vez, envolve uma questão do planejamento e dependerá dos planos de cada um. Caso você tenha alguma necessidade de recursos em um prazo inferior a 10 anos, migre apenas parte das reservas para o novo modelo. A outra parte, deixe onde está e na hora dos resgates faça um planejamento para que eles estejam dentro da faixa isenta da tabela progressiva do IR. Se você tem aplicações em PGBLs ou em fundos de pensão patrocinados por seu empregador que atingem o limite de 12% de sua renda tributável, não vale a pena aplicar novos valores nesses produtos. Nesse caso, opte pelo VGBL. Isso porque, ao contrário dos PGBLs, cuja tributação incide sobre o valor total dos resgates, nos VGBLs a tributação vai incidir apenas sobre o ganho de capital de suas aplicações. Isso ocorre porque as aplicações em VGBLs não contam com o benefício fiscal de isenção de 12% sobre a renda tributável.