Título: Sobra capital e faltam projetos de investimento, diz Meirelles
Autor: Rosas , Rafael
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2007, Finanças, p. C16

O Brasil vive um momento diferente de sua história econômica. Em vez da carência de capital, o país encara a falta de projetos capazes de absorver o excesso de liquidez existente no mundo. A ponderação foi feita ontem pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que revelou inclusive ter ouvido de representantes de fundos de pensão asiáticos lamentos sobre a falta de projetos para investimento no país.

"Esse é um dado da maior importância, que representa uma mudança estrutural. Durante décadas, o Brasil teve falta de recursos, na medida em que investidores de mundo todo se preocupavam com a imprevisibilidade da economia brasileira e, portanto, com o alto nível de incerteza", ressaltou Meirelles, durante palestra no seminário "A economia mundial e as perspectivas para o Brasil II", promovido pela Câmara Americana de Comércio, no Rio.

Para ele, não há demora no desenvolvimento dos projetos. O que acontece é um processo natural de mobilização de recursos humanos, técnicos e de capital. "Foram anos de padrão de crescimento da economia com arrancadas e freadas. Isto é, o país crescia, mas quando crescia, tinha algum desequilíbrio na economia, como a inflação, a dívida externa, o déficit em conta corrente e a dívida pública".

Na visão de Meirelles, esse movimento gerava sempre "a semente" para uma nova crise, o que acabava freando o crescimento da economia. "Nada acontece do dia para a noite. O importante é que o país saiba que o nosso grande desafia agora é desenvolver projetos", disse.

O presidente do BC ressaltou que a crise deflagrada pelo mercado de crédito imobiliário americano ainda não passou, mas ponderou que os indicadores antecedentes da economia dos Estados Unidos não apontam um quadro de recessão. "Ainda não está clara a queda na atividade americana".

Apesar de admitir que um quadro de recessão nos EUA "arrastaria a todos", Meirelles bateu seguidas vezes na tecla de que a economia brasileira hoje é dona de uma das melhores blindagens contra turbulências externas.

Segundo ele, o avanço do PIB baseado no consumo das famílias, a diversificação da pauta de exportações e as reservas internacionais de US$ 162,5 bilhões acumuladas até setembro ajudam a proteger a economia nacional dos solavancos.

Meirelles destacou o crescimento médio anual de 4,2% desde 2004 e reafirmou a meta de 4,7% para este ano. Os economistas Carlos Langoni, ex-presidente do BC e atual consultor da FGV, e Roberto Fendt, membro do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio, também vêem boas possibilidades para a economia do país nos próximos anos e ressaltam que surpresas negativas podem vir principalmente dos vizinhos sul-americanos.

Para Langoni, o aperfeiçoamento do ambiente macroeconômico no Brasil será fundamental para isolar o país de possíveis turbulências nos vizinhos. Ele e Fendt criticam o modelo de reeleição ilimitada aprovado por Hugo Chávez na Venezuela e as suspeitas de manipulação de índices de inflação na Argentina.

"O governo Chávez usa um paternalismo exagerado para se sustentar no poder. Na Argentina, a falta de um marco regulatório criou um crise energética em um país que deveria ser exportador de energia", lembrou Langoni.