Título: Decisão do Supremo sobre infiéis pode impactar causas tributárias
Autor: Teixeira , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2007, Legislação, p. E1

Ao salvar o mandato de parlamentares que mudaram de partido antes de 27 de março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) sinalizou que poderá salvar também bilhões de reais em disputa entre o governo e os contribuintes em grandes causas tributárias. O julgamento sobre a fidelidade partidária realizado na quinta-feira da semana passada foi a primeira grande causa em que o Supremo aplicou o princípio da não-retroatividade das decisões da corte - instrumento que no meio jurídico vem sendo chamado de "modulação" e que, na prática, significa estabelecer uma data a partir da qual a decisão da corte passe a surtir efeitos. O mesmo instrumento, se aplicado a discussões tributárias, poderá salvar contribuintes em apuros devido a derrotas iminentes - como nos casos que envolvem o crédito-prêmio IPI e a cobrança da Cofins de profissionais liberais. A aplicação do dispositivo pode também salvar o governo, que pretende apelar ao instrumento para evitar um rombo bilionário caso se confirme a nova posição do Supremo quanto à inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins. Juntas, as três disputas somam pelo menos R$ 90 bilhões.

O princípio da não-retroatividade é novo no Supremo e foi discutido na prática em apenas quatro casos, mas o julgamento da quinta-feira aplicou a ferramenta com maior extensão. No caso julgado na semana passada os ministros do Supremo aceitaram limitar os efeitos de sua decisão para garantir segurança jurídica acomodando o impacto de uma mudança de posicionamento da Justiça - exatamente o que vem ocorrendo em grandes disputas tributárias em curso. O Supremo também inovou ao considerar como referência para a mudança de jurisprudência uma decisão de outro tribunal - o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - e não uma declaração do próprio Supremo. Advogados que defendem contribuintes e que estão envolvidos nas três disputas tributárias - as maiores em andamento nos tribunais superiores - já manifestaram interesse em apelar para a mesma ferramenta caso sua derrota seja confirmada. No caso da disputa em torno do crédito-prêmio IPI, o efeito não-retroativo da última decisão tomada no caso já está sendo discutido no vizinho Superior Tribunal de Justiça (STJ), em um julgamento que pode voltar à pauta já no fim do mês.

O procurador-geral adjunto da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Fabrício Da Soller, diz que a Fazenda poderá apelar para a aplicação da não-retroatividade caso se confirme a mudança de jurisprudência no Supremo na disputa em torno da exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins em julgamento na corte. "Convenhamos que se o tribunal admite a modulação dos efeitos da decisão, o caso para aplicar o entendimento é este", diz o procurador, em alusão ao impacto de até R$ 60 bilhões que uma mudança na jurisprudência sobre o tema pode ter sobre os cofres federais.

A inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins era garantida por uma súmula do STJ desde 1993, mas a Fazenda alega que posição pró-fisco já vinha desde meados dos anos 80. Em agosto de 2006, o Supremo resolveu colocar o caso em pauta e proferiu seis votos em sentido contrário ao entendimento tradicional. Com o resultado praticamente definido - já há maioria, mas o julgamento está suspenso por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes - a modulação dos efeitos evitaria a sangria de até R$ 40 bilhões com a devolução de tributos recolhidos pelos contribuintes. Caberia à Fazenda apenas acomodar uma queda de arrecadação de PIS/Cofins de cerca de R$ 7 bilhões ao ano.

No caso da cobrança da Cofins das sociedades de profissionais liberais, também havia uma súmula no STJ que desde 2003 garantia a isenção do tributo para escritórios de advocacia, contabilidade, engenharia, clínicas médicas e outras sociedades de prestadores de serviços. O caso é a maior disputa tributária da Fazenda Nacional em número de processos - 23 mil, segundo o último levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) - e envolve R$ 4,7 bilhões. Em março deste ano, o Supremo proferiu oito votos em sentido contrário ao entendimento tradicional do STJ sobre o caso. E os advogados designados pelo Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) para acompanhar o processo em curso no Supremo pretendem começar a pedir a modulação dos efeitos da decisão, para evitar que escritórios de advocacia passem por dificuldades ou até quebrem com o surgimento repentino de um passivo fiscal com a Fazenda.

Para o jurista Luís Roberto Barroso, que defende os contribuintes no caso das mudanças de jurisprudência em torno do crédito-prêmio IPI - benefício fiscal criado nos anos 60 e cujo prazo de validade está em discussão - no STJ, a não-retroatividade das decisões não fica restrita apenas a decisões do Supremo. "A modulação dos efeitos temporais entrou na ordem do dia", diz. Segundo ele, a possibilidade de a decisão não retroagir vem sendo debatida em três hipóteses: em ações diretas de inconstitucionalidade (Adins), em declarações incidentais de inconstitucionalidade e em mudanças de jurisprudência consolidada. Para declarar uma modulação dos efeitos no caso de uma mudança de jurisprudência, diz, não é preciso haver decisão anterior do próprio Supremo - apenas o reconhecimento de que havia posição pacificada. Ou seja, se no caso do crédito-prêmio IPI havia uma jurisprudência consolidada em favor dos contribuintes desde a criação do STJ, em 1990, se o Supremo começar a julgar o caso de maneira diversa haverá uma mudança que justifica a modulação. O mesmo poderia ser levado em conta - em tese, alega Barroso - nas disputas sobre a Cofins de sociedades e do ICMS na base de cálculo da Cofins, onde as súmulas do STJ indicam consolidação da jurisprudência. No caso do crédito-prêmio IPI, o ministro do STJ Herman Benjamin propôs uma modulação dos efeitos da decisão da corte para preservar exportadores que apostaram na tese - e usaram o benefício fiscal - até a reversão de posição do tribunal, em agosto de 2004.